Letra Nova

A paixão de Antonio Tabucchi

Em Requiem, o escritor italiano conta por que adotou o idioma português para escrever e Lisboa para viver


Luís Antônio Giron, do cmais+ Literatura

06/02/15 10:50 - Atualizado em 06/02/15 11:05

Antonio Tabucchi (Foto: Getty Images)
O escritor italiano Antonio Tabucchi (Foto: Getty Images)

Livros costumam ser escritos na língua materna dos autores. Raros são redigidos em outra língua. O polonês Joseph Conrad e o russo Vladímir Nabokov escreveram em inglês. Deixaram de lado suas falas maternas por motivos econômicos. Poucos abandonram a língua materna por amor. Este é o caso do italiano Antonio Tabucchi  (1943-2012). Em 1991, ele publicou o livro Requiem - Uma alucinação ´(Cosac Naify, 128 páginas, R$ 32,90), escrito originalmente em português. Assim, pretendeu fazer uma declaração de amor a Lisboa, a sua fala nativa e àquele que Tabucchi entendia como o maior escritor português, Fernando Pessoa. Tanto assim que o traduziu para o italiano, assim como o brasileiro Carlos Drummond de Andrade. É de Pessoa o seguinte verso, que parece justificar o livro e a vida de Tabucchi.  “Minha pátria é minha língua”. Ao adotar o português, imigrou da Itália para Portugal – tanto no plano da realidade como no da metáfora. Antes,porém, trabalhou como professor de língua e literatura portuguesas na Universidade de Siena.

Requiem pode ser descrito como um passeio por Lisboa acompanhado por alguns dos personagens do protagonista, o personagem Poeta (claramente, Fernando Pessoa), que a falam tal como ele escreveu. Assim, põe em evidência a fala de Pessoa e dos lisboetas.

Ao escrever em português, Tabucchi se dá conta de que está traindo de algumaforma a língua materna. Não o italiano, mas um dialeto que ele classifica como toscano rustico falado em Vecchiano, seu vilarejo natal, localizado na Toscana. Tabucchi foi criado como um monolíngue. Veio a conhecer o português ao conhece-lo nas ruas de Lisboa, onde viveu por duas décadas. O idioma de Camões entrou no inconsciente de Tabucchi, para envolvê-lo totalmente. Compara o ingresso da língua em sua mente como a gaita de boca que, ao conrário do órgão clássico, pode ser levada no bolso. O português era para ele uma língua portátil.

Assista à palestra de Tabucchi na Universidade de Pisa:

Na errância por Lisboa, Tabucchi narrador procura por Tadeus, um velho amigo morto. Ao ldado do fantasma de Tadeus, revê antigos lugares que juntos visitaram, como o restaurante do Casimiro e outros pontos ocultos de Lisboa. Um vivo e um morto fazem uma estranha excursão por lugares que a memória guarda e que a realidade mostra.

Mais tarde, Tabucchi  descansa uma hora e meia em uma pensão. Na realidade, trata-se de um bordel. Ali, é assediado por Viriata, prostituta que insiste em dormir com ele, mas ele prefere repousar sozinho. Então sonha com o pai que, antes de morrer, tinha perdido a voz por causa de um câncer na faringe. No sonho, o pai fala em português com a sua antiga voz – ele que em vida não sabia outra língua que o dialeto toscano. É um sonho revelador. O português, para Tabucchi, é a negação da língua materna. Sonhar em português é trair tanto o pai como o língua-mãe. Fazer o pai falar em português é, ao mesmo tempo, uma revelação e uma transgressão. Após o sono e o sonho, ele volta às ruas e se dirige ao Museu de Arte Antiga, onde conversa e bebe longamente com um barman. Por fim, volta às ruas para encontrar outros personagens menores como o homossexual Mariazinha, a antiga namorada Isabel e o Convidado, com quem troca opiniões sobre temas variados, de música à língua.

O Convidado forma a base da língua e do livro, mas Fernando Pessoa serve como inspiração maior. Pessoa revive nas palavras e nas alucinações de Tabucchi. Com ele, nasce a paixão pela língua,  que é a pátria portuguesa. É um hino de amor e de encontro com o passado e o presente do falar do Poeta. “Acima de tudo, este livro é uma homenagem a um país que eu adotei, a uma gente que gostou de mim e de quem eu também gostei”, afirma.  Conclui, sugerindo que Requiem pode ser explicado por uma breve e enigmática citação a Carlos Drummond de Andrade: “Não quero Handel para meu amigo, nem ouço a matinada dos arcanjos. Basta-me o que veio da rua, sem mensagem e, como nos perdemos, se perdeu.”

Autor de uma extensa obra ficcional e poética predominantemente em italiano, traduzida para 40 idiomas, Antonio Tabucchi escolheu viver, sonhar e morrer em português.

Para ler um trecho de Requiem - Uma alucinação, clique aqui.

Requiem - Uma alucinação

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