Letra Nova

Estevão Azevedo no sertão de letras

No romance Tempo de espalhar pedras, o escritor potiguar narra a vida de um garimpo de diamantes – que ele conheceu pelos livros


Luís Antônio Giron, do cmais+ Literatura

09/10/14 13:32 - Atualizado em 17/10/14 10:41

Estevão Azevedo

O sertão é um tema recorrente na literatura brasileira. São duas as principais vertentes que o abordam: a realista e a alegórica. A realista parte da observação de um tempo e um local definidos. A alegórica usa a ambientação sertaneja como fundo para uma reflexão sobre a condição humana. Uma não exclui ou supera a outra. Os romances de Graciliano Ramos pertencem à primeira vertente, ao passo que as histórias de Guimarães Rosa, à segunda.

O romance Tempo de espalhar pedras (CosacNaify, 288 páginas, R$ 37), do escritor  Estevão Azevedo, vai um pouco além dessa divisão. É um exemplo atual de um novo tratamento simbólico do sertão. Se em Graciliano ou em Rosa as referências literárias são veladas, elas se tornam explícitas no livro de Azevedo. Este elabora uma trama a partir de citações, extrapolações e paráfrases de outros romances brasileiros, como Cascalho, de Herberto Salles, O garimpeiro, de Bernardo Guimarães, e Vidas secas, de Graciliano Ramos. Seu sertão é apoiado em estruturas verbais. Mas, nem por isso, menos poderoso.

“Eu me propus um desafio pessoal”, diz Azevedo, “Eu tinha escrito anteriormente um romance urbano, e resolvi para um ambiente oposto: um garimpo no interior do Brasil, sem local ou data definidos.” 

Ouça a entrevista com Estevão Azevedo na íntegra:

Azevedo não nasceu no sertão nem foi garimpeiro – a não ser garimpeiro de palavras e achados poéticos. Nasceu há 36 anos em Natal e se criou em São Paulo. Possui uma sólida formação em Letras e é editor do prestigioso selo Casa Azul da editora Globo. Estreou em 2004 com o livro de contos O terceiro dia. No ano seguinte, publicou outra coletânea de contos, O som do nada acontecendo. Seu primeiro romance, Nunca o nome do menino, de 2008, conta a história de uma mulher descobre que não passa de um personagem de um autor que ela despreza. “A atitude da personagem sabota a narrativa coloca em xeque a ficção”, afirma.

Em Tempo de espalhar pedras, ele propõe um novo jogo literário que desafia a crença do leitor em um espaço geográfico e histórico determinado. Em um garimpo e diamantes em local e época indeterminados, coronéis, garimpeiros, beatos e mulheres sonham com o amor e a fortuna. Quando se esgotam os veios, só resta aos moradores do vilarejo cavar nas próprias casas, até destruir as construções que os protegiam.

Azevedo criou uma linguagem sertaneja literária, que serve tanto para o interior de Goiás como de Pernambuco. Conta que teve a ideia quando visitou a Chapada Diamantina, no interior da Bahia. “Lá me contaram que, numa localidade chamada Igatu, os garimpeiros destruíram as casas em busca de diamante. Isso deve ter acontecido nos anos 1940. Mas não importante tanto local ou data. Achei que a história tinha uma forte carga simbólica.” Buscou então referências em romances que haviam abordado o garimpo, como Cascalho (1944), de Herberto Salles, e os roteiros do cineasta baiano Orlando Senna, como Diamante bruto de 1977.  “Mais do que fazer uma pesquisa sobre a vida no garimpo, eu me alimentei dessa atmosfera’, afirma. “E assim criei uma narrativa meio retorcida”. Não escrevo de forma transparente.”

No plano da linguagem, diz que sua maior influência está no romance Lavoura arcaica, de Raduan Nassar. No da formulação de histórias, baseia-se nos contos de Jorge Lis Borges e nos romances contemporâneos de Philip Roth e J.M. Coetzee. Ele acha que a literatura brasileira contemporânea se restringiu aos personagens e ambientações urbanas e à linguagem direta. “Falta variedade na literatura brasileira atual”, afirma.

Nesse sentido, Tempo de espalhar pedras traz uma resposta vigorosa à ausência de ambiente rural no romance brasileiro do século XXI. Mesmo que o ambiente do autor seja quase que totalmente mítico.

“Gosto de usar recursos poéticos”, diz Azevedo. “Quero que a linguagem se sobressaia.” E o que é um romance senão linguagem em forma viva?

Leia um trecho do livro Tempo de espalhar pedras, de Estevão Azevedo.

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