Letra Nova

Aprenda a escrever com Stephen King

O ensaio Sobre a escrita, do mestre do horror e do suspense, prova que todo mundo pode – e deve – contar boas histórias


Luís Antônio Giron, do cmais+ Literatura

14/05/15 16:21 - Atualizado em 14/05/15 17:02

Stephen King (Foto: Reprodução)
Stephen King, autor de Sobre a escrita - A arte em memórias (Foto: Reprodução)

São tantos os livros sobre a arte de escrever ficção, e ainda mais numerosas as oficinas literárias e cursos de escrita criativa, que o aspirante a escritor pode ficar confuso. Isso porque os critérios e as visões de mundo variam e os literatos ainda não chegaram a um consenso sobre os fatores objetivos capazes de compor uma boa história. Sabe-se que os cursos de escrita criativa condicionam as penas jovens a redigir contos e romances de uma determinada maneira em detrimento de uma infinidade de outras. Na maioria das vezes, tais cursos legam aos alunos nada mais que uma lista de cacoetes de estilo.

Se há um conselho a dar, o escritor iniciante deve extrair seu manual particular da obra dos autores com quem se identifica. É possível tirar lições de narrativa de alguns gênios como Cervantes, Dickens, Flaubert, Thomas Mann, Tolstói, Dostoiévski, Scott Fitzgerald, Borges, Eça de Queirós e Machado de Assis. Nenhum deles deixou um manual de instruções de suas respectivas obras. O problema é que não se obtêm resultados satisfatórios quando se tenta racionalizar o que esses grandes contadores de história fizeram. Eles escapam do controle e parecem inimitáveis ou inexplicáveis. Talvez a incompreensão se deva à incompetência analítica dos leigos, bem como a de várias gerações de teóricos literários. A saída talvez seja recorrer um romancista de ofício que, apesar de suas limitações, seja capaz de revelar métodos e instrumentos que pareçam vulgares aos teóricos. Esse romancista pode ser o americano Stephen King.        

Em 1997, King aceitou a encomenda de seu editor e enfrentou o desafio de analisar o ato de escrever. O resultado é o livro Sobre a escrita – A arte em memórias (Suma de Letras, 256 páginas, tradução de Michel Teixeira, R$  39,90), publicado no ano 2000. Hoje com 67 anos, ele é o mestre contemporâneo do horror e do suspense. Sua obra, iniciada em 1967, conta com 54 romances lançados em 40 países. É um dos autores de maior sucesso, com  350 milhões de exemplares vendidos. Ele pode não agradar aos jurados da Academia Sueca e muito menos aos críticos, mas o fato é que seus livros oferecem uma experiência de leitura saborosa. Como ele conseguiu conquistar um público mundial com seu sarcasmo incontrolável e imaginação imensa e doentia? É o que ele tenta responder com seu livro.

Ele começa justificando as dimensões do volume: “Este livro é curto porque a maioria das obras sobre a escrita está cheia de baboseiras. Os escritores de ficção, incluindo este que vos fala, não têm um entendimento muito claro sobre o que fazem – por que funciona quando é bom, por que não funciona quando é ruim. Imaginei que , quanto mais curto o livro, menos baboseira teria.”

Apesar de ter dado aula de escrita criativa, King parece não acreditar em fórmulas mágicas. Ele oferece a sua experiência pessoal como exemplo a ser seguido. Sobre a escrita se divide em duas partes: a primeira conta como começou a escrever e criou alguns de seus livros mais famosos, entre eles Carrie (1974), O iluminado (1977) e Baú de ossos (1999). A segunda parte consiste em um guia motivacional para escritores, iniciantes ou não.

Suas lições se resumem em poucos pontos. “Leia muito, escreva muito”, afirma. King gosta de ler o tempo todo e, embora goste de música (ele é guitarrista de rock), ouve áudio-livros quando dirige. Quanto a escrever, ele indica uma disciplina obsessiva: escrever pelo menos duas mil palavras por dia. Assim, ele pode escrever a primeira versão de um romance em apenas três meses. A partir daí, corta e reescreve três ou quatro vezes. Um livro de King leva em média dois anos para ser concluído, embora ele tenha feito um romance em duas semanas, o seu recorde.

As passagens mais interessantes do livro são as dedicadas ao mecanismo profundo da máquina ficcional. King divide a construção de uma história em três procedimentos: narração, descrição e diálogo.  Segundo ele, a narração “leva a história do ponto A para o ponto B e, por fim, até o ponto Z”. A descrição “cria uma realidade sensorial para o leitor”. O diálogo é a parte auditiva do texto literário, pois dá vida aos personagens por meio do discurso. Dá a dica de construir personagens a partir da observação do comportamento das pessoas reais e tentar dizer a verdade sobre elas. E o enredo? King não acredita em enredo. “Não vou tentar convencer você de que nunca construí um enredo, como não vou tentar lhe convencer de que nunca contei uma mentira, mas faço ambas as coisas tão raramente quanto possível”. Diz que desconfia de enredo por duas razões: a vida não tem enredo e construir a trama engessa a espontaneidade.

King afirma que não escreve para ganhar dinheiro, mas por absoluta necessidade. Teve de interromper Sobre a escrita do livro em 1999 porque foi atropelado por uma camionete quando fazia sua habitual caminhada pelas estradas do Maine. Ao retomar o trabalho meses depois, depois de uma longa recuperação e várias operações,  sua paixão pela escrita só se reforçou. “Em alguns dias, a escrita é um caminho longo e muito sombrio”, escreveu. “Em outros – cada vez mais, á medida que minha perna começa a se recuperar e minha mente se reacostuma à velha rotina -, eu sinto aquela alegre agitação, aquele sentimento de ter encontrado e colocado no papel às palavras certas. É como decolar com um avião: você está no chão, no chão, no chão... e, de repente, está subindo, andando em um tapete mágico de ar, senhor de tudo o que vê. Escrever me faz feliz, porque nasci para isso.” Escrever, completa, é a água da vida: “A água é de graça. Então beba.”

Raras vezes um escritor falou com tanta paixão de seu trabalho. Por isso, Sobre a escrita é um livro que vale por mil cursos de criação literária.

Leia um trecho de Sobre a escrita - A arte em memórias

Sobre a escrita –  A arte em memórias

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