Letra Nova

Reunião de nazistas no Brasil (Foto: Reprodução)

Em 15 anos de carreira literária, o escritor e professor paranaense Miguel Sanches Neto tem sido prolífico e desafiador do lugar comum. Lançou 16 títulos, entre romances, coletânea de contos, ensaios e relatos autobiográficos. Em seus romances históricos, busca atacar um viés desconhecido ou desprezado da história brasileira. Assim, no romance Um amor anarquista, de 2005, examinou a instauração de uma comunidade anarquista no Paraná, a Colônia Cecília. Refletiu sobre a ciência e o isolamento de um visionário paraibano que teria inventado a máquina de datilografia em A máquina de madeira, de 2012.

Em seu novo romance, A segunda pátria (Intrínseca, 320 páginas, R$ 34,90), ele imagina se o Brasil, em vez de se aliar aos americanos na Segunda Guerra Mundial, tivesse se associado ao nacional-socialismo de Adolf Hitler. A premissa é intrigante, até porque foi por um detalhe que os brasileiros não se tornaram nazistas. O nazismo e a eugenia eram noções comuns nos anos 1930 no Brasil, e não somente no Sul, onde a população de imigrantes alemães é mais numerosa.

O livro se filia à linhagem dos romances brasileiros sobre a imigração alemã, a gênese no nazismo tropical e o conflito entre eugenia e miscigenação. Sanches afirma ter se inspirado em dois deles: Um rio imita do Reno, do gaúcho Vianna Moog (1906-1988), de 1938, O guarda-roupa alemão, da escritora catarinense Lausimar Laus (1916-1979), publicado em 1975. São romances dramáticos e de tese. Outra obra importante da “série alemã”, que não influenciou Sanches embora mereça a citação, é o romance Cogumelos de Outono, do gaúcho Gladstone Osório Marsico (1927-1976), uma sátira social ambientada em um vilarejo multicultural de imigrantes simpatizantes do nazismo, publicada com sucesso em 1972 e hoje injustamente esquecida. Na visão de Marsico, o nazismo não passou de uma farsa maluca e inofensiva -  o contrário do que pensa Sanches.

A segunda pátria é um romance sério e alegórico, ambientado na cidade catarinense de Blumenau no início dos anos 1940. Acompanha as desventuras de Adolpho Ventura, engenheiro formado no Rio de Janeiro e dono de uma sólida cultura alemã. A vida do protagonista se alera quando o presidente Getúlio Vargas declara guerra aos aliados e se junta a Hitler. Aparentemente, Ventura não seria afetado pela adesão ao nazismo, não fosse pelo fato de ele ser negro.

O maior partido nazista fora da Alemanha foi fundado no Timbó, em Santa Catarina (Foto: Reprodução)

“Meu romance explora ficcionalmente o tratamento que negros e mulatos teriam no Brasil se prosperassem as Leis de Nuremberg entre nós”, diz Sanches Neto. “Na Europa, esta perseguição foi aos judeus. Aqui era muito recente ainda o fim da escravidão. Havia uma estrutura mental no país que de forma cruel via o negro de um ponto de vista senhorial” (leia a entrevista).

Na prática, Ventura era decretado inimigo frontal da mentalidade eugênica e ariana de Hitler. Assim se desenrola a trama, na qual Ventura se converte em uma espécie de Jó e vive um suplício sem fim. Seu sofrimento só faz aumentar quando ele tem um caso com Hertha, jovem da elite alemã de Blumenau. Além da cor, a língua também se torna um campo de batalha. A ironia de um negro saber mais alemão que os colonos alemães é levada ao paroxismo ao longo de uma história que lembra um pesadelo. Um pesadelo possível, já que o nazismo e o racismo continuam vivos, prontos para dar o bote.

Leia aqui um trecho de A segunda pátria, de Miguel Sanches Neto.