Espanha

Arte & Cultura

15/10/12 18:34 - Atualizado em 15/10/12 18:36

A EXPERIÊNCIA ESPANHOLA

Na Espanha, em certo sentido, a situação era muito semelhante à da Alemanha. Sem entrar nos aspectos históricos dos trinta anos da democracia espanhola, mas pode-se garantir que o início foi tão duro como os inícios de qualquer política social, quando se sai de um sistema no qual os direitos sociais não fazem parte da agenda política.

Parece importante levar em conta que há pessoas com deficiência desde o nascimento, mas os casos de deficiência congênita não chegam a 5% do total. Cada vez mais, a deficiência é decorrente de acidentes do trabalho e do trânsito. As motos e automóveis fazem estragos na juventude: lesões cerebrais, paraplegias, tetraplegias, etc. Vale a pena comentar o desenvolvimento da política social em relação à deficiência na Espanha. Em primeiro lugar, a linguagem não é neutra. Quando se começou a trabalhar com as incapacidades, as habilidades eram reconhecidas pela sua anormalidade. Graças à coletividade das pessoas com deficiência, deu-se um salto e elas passaram a ser chamadas de menos-valia. Depois, passou-se a chamá-las de deficiências e atualmente, com reconhecimento das Nações Unidas e de organismos internacionais, de incapacidades. A linguagem não é neutra e esses saltos na denominação representam uma nova situação da sociedade e da cidadania, uma nova forma de encarar as pessoas afetadas.

A verdade é que, dentre as deficiências mais comuns, as incapacidades físicas, psíquicas e sensoriais, estas últimas apresentaram grandes melhoras em termos de autonomia pessoal e determinados tipos de apoios para as pessoas permanecerem em suas comunidades, em uma moradia tradicional. Para as pessoas com deficiências físicas, a tecnologia, os programas, as ajudas técnicas e os serviços de apoio estão evoluindo muito rapidamente. Restam as pessoas com deficiência psíquica. Quais seriam os programas e as residências inclusivas para essas pessoas?

O exército voluntário de mulheres, em sua maioria mães, de 45 a 65 anos, está deixando de funcionar como serviço de apoio a essas pessoas na nossa sociedade. Elas estão sendo incorporadas ao trabalho remunerado e, ademais, essa função deve ser uma responsabilidade de caráter social das instituições e de toda a sociedade, em seu conjunto.

Quais seriam as necessidades dos espaços de convivência? Há muitos modelos que podem ser escolhidos. Na Espanha comete-se um erro quando se inicia na política social, deve-se reconhecer, de se pensar que, quanto maior a residência, mais equipamentos ela tiver, com todos vestidos de branco, imitando aspectos de caráter sanitário, mais próximo se está do ideal. As pessoas vivem 24 horas por dia numa residência, 365 dias por ano. A residência não pode ser uma alternativa de caráter hospitalar, pois as atividades sanitárias configuram uma porcentagem muito pequena da vida diária neste tipo de centro. Portanto, é muito importante que a direção dos centros leve em conta que o âmbito sanitário seja uma parte, mas não ocupe o eixo central da atenção. O eixo central deveria ser o residente, o usuário. Nos estatutos de uma residência, não há uma carta de direitos do residente, não há uma carta de deveres da residência para com o residente. É preciso criar essa carta.

Outro aspecto fundamental é que as residências devem funcionar como  guarda-chuvas que deem cobertura a determinados modelos alternativos de vida institucional. Programas de ajuda domiciliar, como os da Alemanha, realmente evitam institucionalizações desnecessárias, pois esse tipo de ajuda pode servir a muitas pessoas, para que elas vivam em suas próprias casas.

Não devemos nos esquecer que todos, inclusive as pessoas com deficiência, querem viver na sua própria casa. Um segundo modelo seriam moradias configuradas com viúvas, por exemplo, ou outras pessoas que tenham tempo livre que queiram dedicar ao cuidado de terceiros. Há convênios de colaboração entre essas pessoas e as pessoas com deficiência, para programas dirigidos pelas residências, que estão dando resultados muito interessantes. Outro tipo de projeto são moradias de caráter público, para as quais pessoas com deficiência se inscrevem. Elas são adequadas às necessidades de vivência e convivência das pessoas, que recebem ajuda domiciliar e a visita de um psicólogo ou médico, uma ou duas vezes por semana. As ações de caráter sanitário são oferecidas em função das necessidades. São programas com custos muito mais baixos que a criação de uma residência tradicional. A construção de uma residência consome recursos equivalentes a três anos de gestão. A partir do quarto ano, o custo de manutenção é muito alto. Quanto maiores e mais bonitas, mais cara é a sua manutenção. Nada desumaniza mais a vida das pessoas que um centro com 100 ou 150 vagas, sobretudo no âmbito das deficiências. Nas deficiências psíquicas muito graves, pode-se considerar a existência de residências com números maiores de vagas, em módulos. Contudo, para haver boa qualidade assistencial, de convivência, de serviços e de vida, 80 a 100 vagas seria o número máximo em uma residência.

Outro elemento interessante é que alguns centros educativos localizados no centro das cidades já não têm clientela, pois na Espanha há poucas crianças. Está claro que, na política social e assistencial, a responsabilidade deve ser pública. Na década de 1990, discutiu-se muito a divisão das atribuições entre os setores público e privado. Se a gestão pública é muito cara, que se recorra ao sistema privado, mas sempre com responsabilidade pública. Não se pode esquecer que os usuários dessas residências são pessoas que têm a sua vida nas mãos de um equipamento e dos profissionais daquele centro. Essa situação deve ter um controle, uma assistência técnica e uma avaliação. Não se pode deixar que as residências façam o que quiserem. Na Espanha, alguns centros tiveram que ser fechados. Abriam uma casa, um “centro residencial” para pessoas com demência, em condições sub-humanas. Portanto, a responsabilidade pública é muito grande.

Outro tema importante para os centros residenciais seria a concessão de “férias”. Se há duas residências em províncias diferentes, os residentes de uma podem passar as férias na outra, voluntariamente, é claro, e vice-versa. É uma maneira de arrumarem a mala, conhecerem outras pessoas, passarem um tempo em outro local, fazerem novos relacionamentos, mudarem seus mundos, suas vidas. Às vezes, a institucionalização é produzida pelos próprios gestores, que não conseguem imaginar alternativas, não tão institucionalizadas. À medida que se acomodem as dinâmicas de atenção às pessoas com deficiência às necessidades que possam apresentar, que se dá a elas o protagonismo da sua vida cotidiana, se escuta e vê as possibilidades que as instituições oferecem, outras alternativas podem ser desenvolvidas.

Muitas vezes, na vizinhança, é possível encontrar pessoas dispostas ao trabalho voluntário de um dia por semana, ir à casa e levar alguém ao cinema. essas pequenas medidas podem mudar a vida da pessoa que vive num centro. Não são medidas que exigem recursos muito elevados. Trata-se de acumular cada equipamento, no seu âmbito local, com a sua cultura. A residência é a alternativa e o lugar das pessoas que ali vivem. É preciso usar a imaginação, oferecer solidariedade, novos modelos existentes e que podem ser criados. Nem tudo está inventado. Assim, seria possível dar um grande salto. Tudo aquilo que pode ser feito na coletividade, na sociedade, tende a funcionar melhor. Quando se criaram “jornadas de reabilitação” de dois dias por semana a outro tipo de centro, estas foram muito mais eficazes que a proposta de novas residências específicas para tetraplégicos, paraplégicos ou outras pessoas com deficiência.

Outro elemento importante são as pesquisas permanentes, não identificadas, sobre a qualidade, a assistência, o grau de conforto, as ideias dos residentes. Muito se pode aprender quando os residentes sabem que suas opiniões serão ouvidas. Todos os elementos aqui descritos devem ser valorizados, devem ser levados em conta numa reflexão sobre as instituições, que podem melhorar de muitas maneiras, tornando-se mais versáteis e permeáveis.

Elvira Cortajarena Iturrioz – Delegada do Governo Basco

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