Alemanha

Arte & Cultura

15/10/12 18:21 - Atualizado em 15/10/12 18:28

A EXPERIÊNCIA ALEMÃ

A República Federal da Alemanha é um país densamente povoado. Sua população é de cerca de 82 milhões de pessoas, numa área de aproximadamente 360 mil quilômetros quadrados, o que corresponde a uma densidade populacional de 200 habitantes/km2. Para fins de comparação, a densidade na Europa como um todo é de 116 habitantes/km2 e no Brasil, salvo engano, é de 23,9 habitantes/km2. É claro que esse valor não vale para metrópoles como São Paulo, onde a densidade é de mais de 7 mil habitantes/km2, muito mais alta que a de Berlim, com cerca de 4 mil habitantes/km2.

Residências Inclusivas

Como na maioria dos países industrializados, a geração de jovens alemães é relativamente pequena. Observa-se um contínuo aumento da expectativa de vida, com crescimento proporcional dos idosos na estrutura etária. Em 1950, a maioria da população tinha menos de 20 anos de idade. Atualmente, a proporção entre jovens e idosos é aproximadamente meio a meio e, em 2050, cerca de 30% da população terá mais de 65 anos de idade, enquanto somente 16% terá menos de 20 anos.

Na Alemanha de hoje, há mais pessoas com 65 anos ou mais do que jovens de 15 anos ou menos. Por muitos anos, houve uma tendência a famílias menores. São extremamente raros os lares com mais de cinco pessoas e o número de lares com uma pessoa só está aumentando, particularmente nas grandes cidades. Assim, é cada vez menos possível basear-se no papel tradicional das famílias, de prover cuidado e apoio aos idosos e deficientes.

Na Alemanha, 8,6 milhões de pessoas têm algum tipo de deficiência, o que corresponde a aproximadamente 10,5% da população total. Lá, faz-se uma distinção entre deficiência e deficiência grave, e o grau de deficiência é medido com uma graduação de dez em dez pontos. As pessoas com deficiência de 50 pontos ou mais são consideradas gravemente incapazes. Se vivem ou trabalham na Alemanha, têm direito a um apoio especial: assistência específica à sua deficiência, folgas extras remuneradas, uma proteção especial contra demissão e atribuição de tarefas especiais. Do total de pessoas com deficiência na Alemanha, 6,9 milhões têm deficiência grave, o que corresponde a 8,2% da população total.

Com o aumento da idade, estima-se que a proporção de pessoas com deficiência ou deficiência grave aumente. Somente 5% das pessoas com deficiência nasceram com elas, o que significa que mais de 90% de todas as deficiências são adquiridas durante a vida. É mais uma razão para que todos se preocupem com o assunto. Todos nós podemos sofrer uma deficiência, causada por acidente ou doença, a qualquer momento.

Seguindo a tendência demográfica, o número de pessoas com deficiência deveria ser ainda maior, mas, em decorrência da política de extermínio nazista, que resultou no desaparecimento de toda uma geração de pessoas com deficiência mental ou física, não há na Alemanha experiência com o envelhecimento das pessoas com deficiência mental. O grupo atual de 65 anos de idade ou mais constitui a primeira geração de pessoas idosas com deficiência, nascidas após a Segunda Guerra Mundial.

Portanto, não há dados confiáveis sobre o desenvolvimento de problemas relacionados à idade. A Alemanha possui uma tradição secular em instituições de atendimento a pessoas com deficiência. A situação começou a mudar somente em 1975. Antes, as pessoas com deficiência mental viviam principalmente em instituições psiquiátricas, pois não havia outros tipos de residências para essa finalidade. Cegos e muitas outras pessoas com deficiência grave estranhamente viviam naquelas instituições. Depois de 1975, um novo conceito se desenvolveu. As enfermarias psiquiátricas foram transformadas em grupos de residência. Centros de atendimento a deficiência foram criados, oferecendo o diagnóstico, tratamento, instalações para moradia, lares abrigados com enfermagem, oficinas de trabalho protegido, escolas para necessidades especiais, opções de lazer e residências adaptadas às necessidades das pessoas com deficiência.

Ao mesmo tempo, a condição das pessoas com deficiência também mudou. Já não eram pacientes privados dos seus direitos e responsabilidades, mas residentes nessas moradias, com amplos direitos próprios. Entretanto, o princípio do atendimento apropriado e abrangente continuava insuficiente para atender aos desejos e expectativas das pessoas com deficiência. No início dos anos 1980, novos conceitos de instituições baseadas na comunidade começaram a surgir como alternativa ao atendimento institucional. O principal objetivo era a organização em pequenas residências e o acompanhamento de apoio pedagógico na comunidade local. Em alguns casos, foram organizadas casas de acolhimento de grupos, num conceito que ainda evocava os antigos lares. Em outros, foram criados espaços de convivência, compostos de uma sala de convivência, banheiros e toaletes adaptados e um quarto privativo para cada residente. Alguns projetos incluíam também apartamentos individuais. Contudo, essas novas estruturas estavam disponíveis somente a um pequeno número de usuários, pois inicialmente os fundos para o seu financiamento não eram suficientes. A acomodação em instituições continuava sendo a mais comum.

Atualmente, as pessoas com grave ou múltiplas deficiências vivem nessas residências, que necessitam de atendimento especializado, vivem com suas famílias ou nas residências inclusivas descritas. Ainda há mais de cinco mil lares para deficientes na Alemanha, oferecendo um total de 80 mil vagas.

Nesse contexto, infelizmente ainda há locais nos quais as pessoas com deficiência particularmente grave são colocadas em lares abrigados para idosos, o que não é adequado. Nesses lares, eles não têm contato com outros jovens e há poucas atividades diárias de rotina. É pequena a porcentagem de pessoas com deficiência grave ou que necessitam de cuidados constantes que, com o apoio necessário, já são capazes de viver de maneira independente em acomodações individuais. A política, contudo, é abandonar a acomodação institucional. Nos últimos dez anos, a política concentrou-se em oferecer às pessoas com deficiência a oportunidade de viver a sua vida com autodeterminação. Este princípio foi incorporado à legislação, garantindo que as pessoas com deficiência tenham o que necessitarem para participar da sociedade.
Na reabilitação e nas residências inclusivas, o princípio é “tratamento ambulatorial antes do institucional”. Todas as leis relacionadas estipulam a referência das medidas ambulatoriais. Na Alemanha, a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência deu um novo reforço a esses esforços.

Utiliza-se o termo “ambulatorial” para indicar que o indivíduo não está preso à instituição e que os cuidados e a assistência necessários são fornecidos onde quer que a pessoa com deficiência física, mental ou psicológica viva. Para garantir a sua autodeterminação, as pessoas dispõem de diferentes opções: viver com a família, possivelmente uma família escolhida, viver num apartamento individual ou num lar abrigado. É claro que outra opção é viver numa “residência de apoio”. Isso significa que não haverá necessariamente atendimento ambulatorial disponível para as pessoas com deficiência 24 horas por dia, mas de acordo com as necessidades da pessoa. A natureza e a extensão da assistência são determinadas caso a caso.

Qual o significado da expressão “residência de apoio”? Nela, as pessoas vivem sós ou com uma ou várias pessoas, em um apartamento individual. Uma ou várias vezes por semana, um atendente vai ao local ajudar nas atividades cotidianas que os residentes não conseguem fazer por si sós. Tudo o mais é de sua própria responsabilidade. Assim, os residentes têm uma vida independente e autodeterminada, até onde suas capacidades permitirem, com todos os direitos, mas também todas as obrigações.

O conceito de assistência pessoal, ou seja, uma pessoa que preste o apoio necessário, foi desenvolvido por pessoas com deficiência física, capazes de realizar as tarefas definidas no conceito. Uma pessoa com deficiência física contrata um assistente que, se necessário, presta o apoio até 24 horas por dia. A pessoa com deficiência é o empregador e dá instruções ao seu assistente. Por outro lado, deve arcar com as substituições nas folgas e afastamentos por saúde e agir como um empregador. Nem sempre é fácil. As pessoas com deficiência mental ou com dificuldades de aprendizado podem atuar como empregadores somente até certo ponto. Elas necessitam de assistência e apoio de outras pessoas para viver com autodeterminação numa residência inclusiva.

Na Alemanha, há diversas possibilidades para permitir que uma pessoa com deficiência viva fora das instituições. No caminho da vida independente em uma moradia individual, as pessoas com deficiência frequentemente passam por um treinamento ambulatorial em atividades cotidianas, residências de apoio abrigadas ou experiências de vida independente, em apartamentos fornecidos especificamente para esta finalidade. Muitos modelos procuram encontrar novas formas de ajudar as pessoas com deficiência mental a deixarem os lares abrigados e treiná-las para a vida independente. Antes de saírem da instituição, as pessoas precisam aprender a realizar atividades cotidianas, como cozinhar, limpar a casa, cuidar das contas pessoais e arrumar a casa. Esse tipo de apoio deve ajudar as pessoas com deficiência mental a aumentar a sua capacidade de lidar com as atividades da vida diária. As pessoas com deficiência física também podem precisar de treinamento para as atividades cotidianas. As pessoas com deficiência grave precisam ser preparadas para a vida independente, de acordo com as suas necessidades, e devem ter a oportunidade de influenciar as suas condições de vida. Todas essas medidas procuram tornar possível que as pessoas com ou sem deficiência vivam juntas, da maneira mais normal possível, na comunidade.

Uma das iniciativas de participação da vida da comunidade são os chamados “grupos de participação local”. Numa atitude natural baseada na parceria, nesses grupos procuram conviver pessoas com e sem deficiência. É crescente a noção na nossa sociedade de que as pessoas com deficiência grave são capazes de viver nas suas próprias casas, desde que recebam o apoio adequado e que se compreenda a necessidade de um ambiente inclusivo para a implementação desse modo de vida.

Assim, é preciso trabalhar ainda mais para que sejam criadas na Alemanha estruturas que permitam às pessoas com deficiência viverem de maneira  independente na sua comunidade. Isso significa que os seus lares, e também o ambiente ao redor dos lares, devem ser acessíveis e livres de barreiras. Além disso, essas pessoas devem ter à sua disposição uma variedade de escolhas de atendimento e equipamentos. As pessoas com deficiência devem ser integradas à comunidade e pelo menos os edifícios públicos devem ser projetados de forma a serem acessíveis a pessoas com ou sem deficiências. Em relação ao ambiente livre de barreiras e à participação, o governo alemão subsidia mais de quarenta projetos dentro do programa de casa-modelo construída por serviços de assistência aos cidadãos idosos ou com deficiência. Os projetos exploram novas ideias relacionadas à assistência e ao atendimento, mas também à participação e à inclusão. Eles buscam vários objetivos: a qualidade dos cuidados aos idosos deve ser comprovada, mas é necessário também promover o potencial dos idosos, pois a sociedade necessita urgentemente desse potencial.

Todos esse projetos buscam modelos inovadores de vivência, que possam ser implementados nas comunidades. Não focalizam somente os idosos, mas consideram também as necessidades especiais de pessoas com deficiência. As chamadas “pessoas sem deficiência” podem muitas vezes aprender talentos e habilidades com as pessoas com deficiência. Esses projetos, portanto, também buscam transformar o conceito de bem-estar social e introduzir o conceito de autodeterminação, participação e inclusão.

A ideia é participar da vida diária da comunidade, estabelecer uma vida autodeterminada e redes sociais, com o envolvimento de todos os serviços disponíveis. É realmente importante que a assistência administrativa e os serviços de enfermagem, bem como as pessoas de contato nas prefeituras persigam os mesmos objetivos que as pessoas com deficiência, de forma que todos os esforços sejam efetivos e coordenados. Em muitos municípios, as agências de assistência foram organizadas recentemente. Essas agências devem proporcionar melhor assistência às pessoas com deficiência e seus familiares, com serviços seguros, flexíveis, ajustados às necessidades individuais.

Viver na comunidade não significa apenas viver no próprio apartamento. O sonho de maior independência para muitas pessoas inclui também um emprego fora das oficinas de trabalho protegido para as pessoas com deficiência. O acesso ao mercado de trabalho regular é também um objetivo definido atualmente. Criou-se o modelo de apoio ao emprego, que proporciona apoio à pessoa no local de trabalho, até que ela possa lidar com as suas tarefas sem auxílio. Assim, a conscientização é realmente cada vez maior. As pessoas estão percebendo que mesmo as pessoas com deficiência grave ou que necessitam de cuidados de enfermagem merecem o mesmo respeito e têm os mesmos direitos que todos os outros. É uma noção que encontra apoio no princípio constitucional de que “ninguém pode sofrer discriminação por conta de sua deficiência”.

A palavra alemã wohnen, que significa “viver, residir”, no idioma antigo originariamente significava “estar em paz, contente, e protegido contra danos e ameaças”. Este significado também deve ser respeitado nesse processo. Ter o próprio apartamento ou, ao menos, o próprio quarto privativo numa acomodação protegida significa que todos devem fazer um esforço especial e tornar-se parte ativa do processo. A política atual da Alemanha defende que todas as pessoas com deficiência devem viver na sua própria moradia. Assim, foram criados diferentes instrumentos de apoio ambulatorial. Durante o processo, aprendeu-se também que os medos expressos inicialmente pelas pessoas com deficiência, de sair das instituições e viver em estruturas com  apoio ambulatorial eram exagerados. A chamada “equipe profissional” teve que aprender muitos conceitos novos: organizar a transição das instituições para uma moradia própria e deixar que as pessoas com deficiência sejam independentes.

Nikola Lafrenz – Secretária Executiva do Ministério do Trabalho e Assuntos
Sociais da República Federal da Alemanha – Berlim/RFA

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