A redenção do soldado matador

Em Sniper Americano, Clint Eastwood promove a catarse da culpa americana no Iraque. O resultado é filme de guerra mais rentável da história de Hollywood


Luís Antônio Giron, do cmais+ Cinema

18/02/15 16:41 - Atualizado em 18/02/15 16:48

Filme Sniper Americano (Foto: Divulgação)
Bradley Cooper e o diretor Clint Eastwood durante as gravações de Sniper Americano (Foto: Divulgação)

A Guerra do Iraque (2003-2011) é a campeã em impopularidade nos Estados Unidos neste século. O resultado da opinião negativa que os americanos têm da participação do exército americano no conflito pode ser verificado nos filmes sobre o assunto. Todos eles contêm críticas e denúncias. No vale das sombras (2007), de Paul Haggis, trata do assassinato de um tenente na volta da Guerra do Iraque e o mistério sobre suas atividades durante a guerra. Guerra ao terror (2008), de Kathy Bigelow, aborda os conflitos morais, os traumas e as sequelas que a guerra deixa em um soldado encarregado em desmontar bombas. Zona Verde (2010), de Paul Greengrass, coloca o espectador no “maelström” de horrores e confusões da Bagdá conjurada. O protagonista tem a missão de descobrir armas nucleares escondidas, mas a busca se revela inútil. Esses filmes renderam prêmios (Guerra ao Terror venceu o Oscar ) boas críticas, mas bilheterias medíocres.

Faltava um longa-metragem que lidasse com os embaraços éticos e morais da Guerra do Iraque e, ao mesmo tempo, resgatasse o heroísmo dos soldados. Sniper Americano, do diretor Clint Eastwood, cumpre esse papel. O resultado foi uma bilheteria recorde desde o lançamento do filme, que estreia agora no Brasil: US$ 306 milhões, desde a estreia, no natal do ano passado. Atualmente, ocupa o quarto lugar das bilheterias, perdendo apenas para Bob Esponja, Cinquenta tons de cinza e Kingsman. Com isso, tornou-se o maior blockbuster de guerra da história do cinema, passando O resgate do soldado Ryan  (1998), épico da Segunda Guerra Mundial de Steven Spielberg, que faturou US$ 216 milhões. O filme tem quatro indicações ao Oscar.

Sniper americano tem sido interpretado como um desagravo ao exército americano.  Mas pode ser lido pelo lado inverso, como um relato da brutalidade da guerra. Pela primeira vez, um atirador de elite (“sniper” é o atirador de elite recrutado para matar impiedosamente o inimigo) é retratado em toda sua coragem heroica, mas também em sua violência extrema. As imagens de casas invadidas, corpos abatidos à distância (inclusive de mulheres e crianças) e a forma com que os soldados tratam os iraquianos, chamando-os de “selvagens”, é uma aula de cinema realista.

O longa-metragem de 132 minutos se  baseia na história real do fuzileiro naval Chris Kyle (1974-2013), famoso por ter matado ao menos 160 pessoas em emboscadas no Iraque. A ambivalência, os choques e os desvios da personalidade de Kyle são explorados com eficácia e emoção pelo ator Bradley Cooper, que encarna o patriota de ideais inquebrantáveis e conduta ilibada, ainda que um tanto neurótico. Kyle foi enviado quatro vezes ao Iraque e colecionou mais mortos do que qualquer outro fuzileiro. Mesmo assim, como mostra o filme, ele é capaz de se comover quando obrigado a abater um garoto pronto a atirar uma bomba. Por ironia, Kyle foi morto por um velho companheiro de armas, veterano psicótico do Iraque, que ele tentava ajudar – enquanto os dois praticavam tiro ao alvo em um parque de diversões.

A mensagem de Clint Eastwood é a seguinte: soldados americanos têm um grande coração, apesar de tudo. Se matam criancinhas ou mulheres, choram muito. O público americano comprou essa ideia e exaltou, pela primeira vez, as façanhas no Iraque. Mesmo assim, o filme vale como um grande espetáculo cinematográfico, talvez o testamento estético do diretor de 84 anos, que já declarou que não pretende mais filmar.

Assista ao trailer:

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