Europa surpreendida pela guerra, apesar de anos de tensão

Cartão postal lançado pelo museu de Peronne mostra o imperador alemão e rei da Prússia Guilherme II sorrindo para seu primo, Nicolau II, imperador da Rússia, algumas semanas antes do anúncio da I guerra mundial


24/06/14 16:55 - Atualizado em 24/06/14 16:55

Cartão postal lançado pelo museu de Peronne mostra o imperador alemão e rei da Prússia Guilherme II sorrindo para seu primo, Nicolau II, imperador da Rússia, algumas semanas antes do anúncio da I guerra mundial

Paris (AFP) - Às vésperas da Primeira Guerra Mundial, a Europa está no auge do seu poderio militar. Todas as condições estão reunidas para que o continente mergulhe em uma das maiores tragédias da História, que alguns contemporâneos chamarão de "suicídio coletivo".

Do Atlântico à Rússia, o século XIX parece estar se prolongando além do limite. Dinastias seculares reinam nos grandes países do continente, à exceção notável da França. O imperador Guilherme II da Alemanha, o rei George V da Inglaterra e o czar Nicolau II da Rússia são primos.

Em plena revolução industrial, as velhas nações entram na modernidade. Com mais de 450 milhões de habitantes, a Europa reúne cerca de 30% da população mundial, chegando a mais da metade se incluídos os seus impérios em outras partes do mundo.

Alemanha, França e Grã-Bretanha representam sozinhas mais de um terço da produção industrial do planeta, embora os Estados Unidos tenham se tornado a maior potência econômica mundial no final do século XIX. E o continente está na vanguarda econômica, tecnológica, artística e científica.

A concorrência entre os impérios, alimentada pela vontade de garantir força política, segurança e de expandir os horizontes comerciais, vai atiçar as rivalidades.

Dois blocos frente a frente

Berlim preocupa Londres com suas ambições marítimas e coloniais declaradas, que também criam grande tensão com a França, principalmente em relação ao Marrocos em 1905 e 1911.

Já a Rússia e o Império Austro-Húngaro disputam para ampliar suas esferas de influência nos Bálcãs, ocupando espaços de um Império Otomano em pleno declínio.

E nessa região começa a ser decidido o destino da Europa. Duas "guerras balcânicas" inflamam a região de outubro de 1912 à primavera de 1913. Cercada por Bulgária, Grécia e Montenegro, a Sérvia vê essas nações se envolverem em disputas pelos últimos territórios dos otomanos na Europa.

À exceção da Rússia, ligada à Sérvia em nome da proteção aos eslavos, as grandes potências observa as hostilidades com prudência e evitam o pior. Mas a paz é cada vez mais ameaçada.

Ao longo dos anos dois blocos se formam: a Tríplice Aliança reúne os impérios alemão e austro-húngaro e a Itália. A França e o Reino Unido, a oeste, aliam-se à Rússia, a leste, formando a Tríplice Entente.

Berlim assolada pelo cerco

  

Espremida entre as duas maiores potências coloniais da época e sua imensa vizinha Rússia, Berlim vive com medo de um cerco.

Além disso, a Alemanha considera que o Império Áustro-Húngaro saiu enfraquecido dos conflitos balcânicos e que a Rússia está mais forte. Em Berlim, o Estado-Maior, que vê uma guerra europeia como inevitável, reforça o seu Exército em 1913 com 300.000 homens. Essa iniciativa leva a França a estender o serviço militar para três anos com o objetivo de manter um relativo equilíbrio de forças.

De ambos os lados, "o momento era de discursos nacionalistas, cheios de angústia, por medo de serem surpreendidos pelo outro", resume o historiador alemão Gerd Krumeich, professor da Universidade Heinrich-Heine de Dusseldorf.

"Havia elementos de tensão, mas também capacidade de administrar crises", afirma Nicolas Offenstadt, professor da Universidade de Paris-La Sorbonne.

As correntes pacifistas se mantêm fortes em todas as partes, mas, mesmo assim, não conseguem eliminar a ideia de "união sagrada", que na França, na Alemanha, no Reino Unido e na Rússia fará com que os líderes e a opinião pública adiram à guerra um ano depois.

O ano de 1914 começa em meio a um ambiente de apaziguamento.

A faísca de Sarajevo

Mas o sistema da alianças do bloco costurado ao longo dos anos se fortalece. E ele corre o risco de ser acionado ao mínimo incidente. Os aliados devem automaticamente dar assistência uns aos outros em caso de agressão.

A partir de então, resta apenas uma faísca. Ao atirar, no dia 28 de junho em Sarajevo, no arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro ao trono do Império Áustro-Húngaro, o sérvio Gavrilo Princip sela o destino da Europa.

Os líderes europeus tentam evitar um conflito até o fim, como em 1912 e 1913. Mas a guerra pega os povos de surpresa em um mundo onde a informação atinge somente uma parcela ainda limitada das pessoas.

No entanto, multiplicando os erros de análise, eles movimentam a engrenagem: a Áustria-Hungria, estimulada pela Alemanha, intervém contra a Sérvia pensando em restabelecer sua autoridade na região. A Rússia então se mobiliza: ela espera ajudar sua protegida eslava intimidando os austro-húngaros. Mas só provoca a mobilização simultânea de seu aliado francês e de uma Alemanha obcecada pela ideia de um conflito inevitável entre grandes potências.

Nada mais pode impedir a guerra que eclode no dia 3 de agosto, mas nenhum estrategista consegue imaginar a amplidão.

Foto tirada em 28 de junho de 1914 mostra o o arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro ao trono do Império Áustro-Húngaro, deixando a sede da prefeitura de Sarajevo, minutos antes de ser assassinado pelo sérvio Gavrilo Princip

"É preciso lembrar que os soldados não esperavam uma guerra mundial", ressalta Nicolas Offenstadt. "Eles não achavam que iam para a morte nas condições que teriam que enfrentar, e muitos acreditavam que estariam de volta depois de algumas semanas ou alguns meses".

As ilusões rapidamente vão pelos ares. E todo o planeta será afetado pelo primeiro conflito em escala global.

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