Sensor e armadilha inteligentes podem ser aplicados para resolver problemas da saúde pública e da agricultura
Pesquisadores do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, desenvolveram uma tecnologia inovadora capaz de identificar quantos e quais mosquitos estão em determinada área por meio do reconhecimento automático das espécies, a fim de combater os efeitos nocivos dos insetos.
Financiada atualmente pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), a pesquisa resultou no desenvolvimento de dois principais produtos: um sensor e uma armadilha, que devem contribuir para a saúde pública e a agricultura, combatendo pragas agrícolas e insetos vetores de doenças em determinada região, sem prejudicar espécies benéficas, como abelhas, por exemplo.
A tecnologia desenvolvida possui, ainda, potencial para ser amplamente comercializada, devido ao baixo custo de produção. A armadilha representa um avanço tecnológico em relação às que existem hoje. “Para medir a densidade dos insetos que há numa região, por exemplo, já existe uma armadilha não seletiva, ou “armadilha adesiva”, como é mais conhecida. O problema é que ela acaba capturando tudo, inclusive insetos que não precisariam ser capturados”, conta o coordenador da pesquisa, Gustavo Batista.
Os pesquisadores acreditam que essa tecnologia seja eficaz, principalmente, no combate aos mosquitos de gênero Anopheles, vetores da malária, e aos mosquitos do gênero Aedes, vetores da dengue e da febre amarela. “Durante as campanhas de prevenção da dengue, é comum os agentes percorrerem bairros nos quais as pessoas foram diagnosticadas com dengue, entrando nas casas em busca de locais em que os mosquitos podem se reproduzir ou com a finalidade de pulverizar inseticida”, explica Batista. “Entretanto, existe um grande hiato entre o momento em que a pessoa foi contaminada pela doença e o momento em que a campanha é feita. Esse hiato pode ser de apenas algumas semanas, mas isso representa mais do que o tempo de vida de um mosquito adulto. A vantagem do sensor é que ele permite identificar onde o inseto está em tempo real”, completa o professor.
O sensor a laser usado para identificação dos insetos funciona da seguinte forma: ao atravessar a luz emitida pelo laser, as asas do mosquito impedem, parcialmente, a passagem da luz e, por estarem em movimento, causam pequenas variações, que são captadas pelos fototransistores. Essas variações são filtradas, amplificadas e gravadas por meio de uma placa eletrônica de circuito.
Sinais
Cada espécie analisada produz um sinal ligeiramente diferente da outra, o que possibilita aos pesquisadores compararem, computacionalmente, os sinais de cada uma, identificando as diferentes espécies. Os sinais obtidos pelo sensor são bastante similares a sinais de áudio. A diferença é que os dados obtidos não são originários de variação nas ondas sonoras, mas sim da variação da luz. A vantagem disso é que o sensor é totalmente surdo para qualquer agente que não atravesse a luz do laser, portanto, não sofre interferência externa, como sons de pássaros, carros ou ruído dos aviões.
Um fator adicional importante do sistema é que sua produção tem um custo muito baixo. “É possível produzir o sensor investindo-se cerca de R$ 30,00, por isso, o equipamento pode ser amplamente comercializado”, avalia o professor. Além dos mosquitos da dengue e da malária, a pesquisa também coletou dados e criou sistemas de reconhecimento automático para as seguintes espécies: mosca-de-banheiro, mosca-da-fruta, mosca doméstica, joaninha, besouro, abelha, entre outros. O trabalho mostrou, ainda, que é possível diferenciar mosquitos vetores de doenças dessas outras espécies com uma percentagem de acerto entre 98% e 99%.
Quanto a armadilha inteligente, o primeiro passo é que o inseto precisa ser atraído. Batista explica que, para isso, pode-se usar um atrativo como o dióxido de carbono, substância capaz de atrair as fêmeas de mosquitos: “Quando um mosquito se aproxima da entrada do dispositivo, ele é puxado pelo fluxo de ar em direção ao sensor a laser, já que existe um pequeno ventilador acoplado à armadilha”. Depois de entrar na armadilha, o inseto passa pela luz do laser emitida pelo sensor, tal como explicado anteriormente. A diferença é que, no caso da armadilha, há uma porta que pode capturar o inseto ou deixá-lo sair, dependendo da avaliação que será feita pelo sensor.
“É o sensor que vai decidir se prende ou solta o inseto. Se o inseto fica preso, o ar o empurra para uma segunda câmara, onde é retido pelo papel adesivo”, completa o pesquisador. Dessa forma, na armadilha inteligente, ficam grudados no papel apenas os insetos desejados, o que possibilita estimar com facilidade sua densidade populacional. Para tornar o sensor capaz de decidir qual espécie deve ser capturada e qual deve permanecer livre, é preciso empregar técnicas de aprendizado de máquina. Entra em campo a inteligência artificial. “O sensor pode classificar qualquer espécie de inseto, para isso é necessário que sejam coletados exemplos das espécies desejadas”, considerou o mestrando do ICMC, Diego Furtado Silva, um dos pesquisadores do projeto. Ele explica que, com esses exemplos, são obtidos dados sobre cada espécie, os quais fornecem um conhecimento prévio a respeito de como funciona o batimento das asas de cada uma. Assim, é possível desenvolver algoritmos (sequências de comandos em um computador), possibilitando ao sensor reconhecer quando é o momento de capturar uma espécie e quando é o momento de dispensá-la.
Resultados
A pesquisa teve início em 2011, quando o professor Batista estava fazendo seu pós-doutorado na Universidade da Califórnia, em Riverside, nos Estados Unidos. Nessa época, o Laboratório de Inteligência Computacional (LABIC) do ICMC estabeleceu uma parceria, que dura até hoje, com pesquisadores da universidade norte-americana.
Naquela época, o trabalho foi financiado pela Fapesp e pela Fundação Bill and Melinda Gates, cujo objetivo é apoiar pesquisas inovadoras. Na ocasião, o objetivo da pesquisa era criar um sensor específico para os vetores da malária. Hoje, ainda com financiamento da Fapesp, o trabalho conta com a colaboração da professora do ICMC Solange Rezende, além do professor da Universidade da Califórnia, em Riverside, Eamonn Keogh, e do fundador e presidente da Isca Technologies, Agenor Mafra-Neto. Também colaboraram para a pesquisa os seguintes alunos do ICMC: o doutorando Vinícius Souza, e os mestrandos Denis Reis, Cristiano Lemes e Luan Soares. Além dos doutorandos norte-americanos, Yanping Chen, Adena Why, Moses Tataw, Bing Hu e Yan Hao. O site do Labic é http://labic.icmc.usp.br/.
Agência USP
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