Foto em lata na escola

Conheça o projeto Escola do Olhar, da organização ImageMágica.


Fernanda Gehrke Educação

15/06/11 10:44 - Atualizado em 20/06/11 10:19

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Estudantes com idade entre 9 e 10 anos da Escola Municipal de Ensino Básico (EMEB) Marcos Rogério da Rosa, de São Bernardo do Campo, estão tendo aulas diferentes duas vezes por semana, no contra-turno. Trata-se do projeto Escola do Olhar, da organização ImageMagica. “As 60 vagas do curso foram muito disputadas”, revela a coordenadora pedagógica da escola, Camila Lambstain. Duas vezes por semana, as duas turmas têm aula de pinhole (foto em lata) nas dependências da escola. O curso começou em março e segue até o final de junho.

De acordo com ela, a atividade trouxe bons resultados. “Eles se sentem mais reponsáveis, nos dias de curso passam o dia inteiro na escola, almoçam aqui e estão mais participativos, e também mais críticos”, diz. “Eles se envolveram tanto que já estão programando levar as câmeras de lata para uma atividade de outra disciplina, que vai ser a visita à represa Billings, agendada para setembro”.

As crianças fabricam suas próprias câmeras de lata e aos poucos conhecem as peculiaridades da linguagem fotográfica. “Eles sabem explicar as diferenças entre o positivo e o negativo, toda vez que realizamos esse projeto é emocionante ver a reação deles na primeira vez que revelam uma foto, eles ficam deslumbrados quando a imagem começa a aparecer, em contato com o revelador”, descreve Carolina de Souza, coordenadora do projeto Escola do Olhar. “Nosso interesse é despertar o olhar para o que estão fotografando, refletir sobre a realidade que os cerca e estimular o protagonismo”, explica.

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Muitos dos 6 mil estudantes que participaram do projeto desde seu início, em 1995, se matricularam mais tarde em cursos profissionalizantes de fotografia. “Alguns deles, inclusive, se tornaram arte-educadores da ImageMagica”, lembra Carolina. Vitor Antunes Oliveira, de 9 anos, tem na ponta da língua as diferenças entre as fotografias pinhole e digital. “A foto digital demora um segundo e a foto em lata, quando tem sol, leva 45 segundos e pode demorar até 4 minutos para a imagem se formar”, descreve. Em grupos, os estudantes elaboram livros na forma de fotonovelas com as imagens produzidas durante o curso. “Nós fizemos um livro com fotos da reforma da quadra e contamos a história dos meninos que não podiam jogar futebol enquanto essa reforma acontecia”, relata Vitor.

Já o grupo de Nathália da Silva Pereira, de 10 anos, produziu um livro sobre a conjuntivite. “Fotografamos quatro meninas, uma pegou conjuntivite das outras, então elas foram até o posto de saúde, mas não foram atendidas e então foram na prefeitura reclamar”, relata Nathália. “Tivemos, de fato, alunos que precisaram faltar aula por causa dessa doença, são eles que sugerem os temas, de acordo com a realidade vivida na escola”, afirma Carolina, citando outros temas abordados pelas duas turmas, como poluição sonora, desperdício de água e bullying. “Eles dramatizaram para produzir as fotos, ficaram 4 minutos parados para cada imagem dos livros”, diz.

Além das fotos em lata, os alunos também produzem fotogramas. “No dia das mães, eu fiz um cartão para ela com a palavra love e quatro corações nas pontas, ela gostou muito”, conta Nathália. “Neste trabalho com o livro, fizemos um levantamento dos problemas da escola”, conta a arte-educadora Camila Andrade, que atua no projeto desde 2007. “Já trabalhei com turmas de alunos mais velhos que optaram por abordar, nos livros, temas como o trabalho infantil, a gravidez na adolescência e o uso de drogas”, descreve. “Também aparece, nessas turmas de adolescentes, a questão do trabalho, já que muitos enfrentam o dilema de ter que largar o curso para trabalhar, lembro de um aluno que conseguiu uma dispensa especial do emprego para continuar o curso”, comenta.

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Os pais ficaram empolgados com a implantação do curso em São Bernardo do Campo. “Temos uma lista de espera gigante e por isso os pais vêm pessoalmente justificar quando seus filhos precisam faltar no curso, eles não querem que eles percam suas vagas”, conta Camila. Também foi grande a procura pela Multiplicação, que é quando os próprios alunos dão uma aula de foto em lata para os pais e membros da comunidade interessados. “Aproximadamente 90 pessoas participaram e usaram as latas dos alunos para fotografar”. O projeto é apoiado pela Lei Rouanet e conta com apoio de patrocinadores, que também enviam representantes à Multiplicação. “Lembro de um senhor de idade que é fotógrafo há muitos anos e comentou com as crianças que quando ele começou a trabalhar com fotografia o trabalho era bem parecido com o que as crianças estão fazendo, artesanal”, lembra Camila. Em São Bernardo do Campo, a empresa que está patrocinando o projeto é a Valspar.

 

Como tudo começou

Criada em 1995, em São Paulo, pelo fotógrafo documentarista André François, a ImageMagica é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), sem fins lucrativos, que desenvolve ações das áreas educacional, cultural e de saúde, sempre usando a fotografia e a linguagem visual como ferramentas de trabalho. 

“Pra mim, a fotografia, desde o começo e até hoje, é uma escola, é o meio que eu tenho para aprender e apreender o mundo”, afirma André. “A fotografia é minha principal ferramenta para entender o mundo, conhecer as coisas e conhecer as pessoas. A maior parte do meu aprendizado vem do ato de fotografar e o trabalho educacional da ImageMagica nasceu 100% disso”, revela.

A ideia de oferecer cursos de fotografia em escolas surgiu durante uma viagem de André para Minas Gerais. “Tinha umas crianças ao meu redor e resolvi entregar a câmera para que elas fotografassem”, conta. Foi quando André teve a primeira surpresa. “Foi emocionante ver o tesão que as crianças sentiram ao fotografar”. A segunda surpresa veio com a revelação dos filmes, já em São Paulo. “Quando eu vi as fotos, fiquei muito impressionado”. Ao se reunir com as crianças novamente para entregar o resultado do trabalho, André percebeu que seu aprendizado poderia se transformar em uma metodologia. “Quando as crianças se reuniram para ver as fotos, ficaram falando sobre coisas fundamentais, sobre meio ambiente, sobre árvores que foram derrubadas, sobre questões familiares”. Foi assim que surgiu a Escola do Olhar.

Atualmente, André está envolvido em um novo projeto, o portal De volta para casa. A intenção é divulgar histórias e informações relevantes sobre o tratamento domiciliar no Brasil, utilizando a fotografia como ferramenta de sensibilização. O portal foi lançado em maio e o endereço é www.devoltaparacasa.org.br. Conheça a ImageMagica: http://www.imagemagica.org.

 

Assista à matéria da TV Cultura, de 2000, quando o mesmo projeto percorreu o país em um ônibus-laboratório, que ficou conhecido como "ônibus da lata".

 

(Fotos: Fernanda Gehrke)

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