Edgar Morin e o caminho possível

A relação entre economia, política e sociedade


Lígia Marques Educação

23/08/11 09:50 - Atualizado em 23/08/11 09:50

Era grande a ansiedade para a visita do antropólogo, sociólogo e filósofo Edgar Morin. Realmente, foi, com os ingressos esgotados, que a Fronteiras do Pensamento, na Sala São Paulo, recebeu, no dia 9 de agosto, o pensador francês.

No mundo, no entanto, um tanto quanto distante dos burburinhos que rondavam os ambientes intelectuais de São Paulo, a ansiedade era outra. O universo da ciência econômica, tão amigado aos números, mantinha o olhar atento, quem diria, a um trio famoso de letras. Ou pior, à falta de uma delas. No dia 5 de agosto, a Standard & Poor’s havia rebaixado o rating de crédito dos Estados Unidos da América de AAA para AA+. A soberania desmanchada do país parecia haver conturbado a economia do planeta.  Prato cheio para Edgar Morin, amante das incertezas da vida contemporânea e, por que não, das de um mercado chegado a certas “complexidades planetárias”.

Trazendo aspectos do livro La Voie - Pour L'avenir de L'humanité (O caminho – para o futuro da humanidade), publicado em janeiro, ele começou a conferência se perguntando por que, não sendo a economia separada da política e da sociedade, a ciência econômica o teria de ser? Segundo Morin, a ciência econômica foi artificialmente separada da sociedade, mas, por mais que exista tal separação, os nossos medos são invadidos pelo cálculo. Com sua velha proposta, tão atual para a crise do momento, concluiu: “por isso, precisamos de um outro pensamento, de uma outra política, distantes de um saber mutilado e cego”.

Aos 90 anos, esbanjando a coerência de quem sabe caminhar da educação para a economia munido de reflexões típicas daqueles que têm muito o que dizer, Morin voltou ao tema que permeia todos os seus trabalhos: “A complexidade é própria das situações mundiais de hoje. Vivemos uma crise econômica que é apenas um aspecto virulento de uma crise múltipla que a globalização desencadeou. A crise das sociedades tradicionais. A crise de uma civilização que encontra muito mais problemas do que traz soluções. Por fim, a crise da humanidade neste momento crítico em que não consegue se construir como humanidade”.

Para aqueles que aguardavam, na Sala São Paulo, o filósofo que procurou sempre unir a complexidade à compreensão, não houve nenhum risco de decepção: “Estamos vivendo a comunidade de destino, pois, pela primeira vez, todos os continentes são ‘intersolidários’ e não só na economia. Existe uma ‘intersolidariedade’ em relação a todos os problemas fundamentais que cada povo deve enfrentar”.  

Para Edgar Morin, a discussão de uma crise, em um momento no qual progridem as incertezas, é a oportunidade de o abismo transformar-se em nova via: “As novas gerações nos invejam, pois dizem não possuir uma causa. De fato, as antigas gerações tinham uma causa linda. Mas nossa causa tinha sombras que só descobrimos mais tarde. Combatemos pela liberdade da França. Mas a liberdade do nosso país fez colônias sem liberdade. Hoje a causa da humanidade é mais justa porque é sem sombras. Não existem certezas. A probabilidade é que se caminhe para o abismo. Mas, muitas vezes na história o improvável aconteceu e eu apostei a minha vida inteira no improvável porque nele reside a esperança que mostrará aos jovens um caminho possível”.

Lígia Marques, jornalista, é editora da Diretoria de Projetos Educacionais da Fundação Padre Anchieta

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