Um detetive bem chapadão

Vício inerente é uma adaptação fiel do romance de Thomas Pynchon: uma divertida aventura movida a drogas, sexo e psicodelia


Luís Antônio Giron, do cmais+ Cinema

26/03/15 09:46 - Atualizado em 26/03/15 10:04

Vício Inerente (Foto: Divulgação)
Katherine Waterston e Joaquin Phoenix em Vício inerente (Foto: Divulgação)

O romance Vício inerente (2009), do americano Thomas Pynchon, exalta e satiriza a um só tempo o auge da contracultura hippie da Califórnia. A adaptação para o cinema pelo diretor Paul Thomas Anderson, em cartaz no Brasil, não poderia ser mais fiel ao espírito do livro: um maelström de situações bizarras, cenas de delírio policial e sexual, tudo envolto em uma única certeza: a contracultura hippie foi destruída por agentes do poder interessados em moralizar e controlar os seres humanos. Quem encarna o fim das utopias chama-se Larry “Doc” Sportello, um detetive particular doidão interpretado com brilho por Joaquin Phoenix.

A aventura  - ou “errância” -  transcorre em Los Angeles no ano de 1970 e narra as confusões de Doc ao investigar o sumiço do milionário Mickey Wolfmann, um empresário do ramo imobiliário. O problema é que Doc não se enquadra no perfil do investigador atento e analítico, na tradição de Philip Marlowe, de Raymond Chandler, ou de Larry Bosch de Michael Connely, persnagens de romances policiais surgidos nos anos 1930 e 1980, respectivamente. Ao contrário, Doc pode ser descrito como um hippie cujo espírito analítico, se algum dia existiu, já se desfez nas fumaças dos milhares de baseados que fumou desde adolescente e fritaram seus neurônios. Sua investigação desencadeia um delírio após o outro, misturado a perseguições cambaleantes e momentos de extrema lucidez. Assim, o avesso do detetive é o detetive. Em vez de defensor da ordem, ele se comporta como o arauto da bagunça.

Quem encomenda a investigação (o espectador fica sabendo em incerto momento do filme) é a antiga namorada de Doc, Shasta Fay Hepworth (vivida com poderosa sensualidade por Katherine Waterston), que havia se tornado escrava sexual de Wolfmann. A trama corresponde a  um momento em que a contracultura vive seu ápice e o início da vertiginosa decadência. O sonho utópico dos hippies dos anos 60 estava se estilhaçando por força do julgamento da Família Manson, uma seita liderada pelo músico hippie Charles Manson que havia trucidado, em 8 de agosto de 1969, a atriz Sharon Tate e três amigos na casa dela em Hollywood. Ao som do rock “Helter skelter”, dos Beatles, o bando formado por moças de 20 e poucos anos  esfaqueou Sharon no ventre. Sharon estava grávida de oito meses. O episódio e seu julgamento ajudaram a pôr uma pá de cal na reputação e no sonho dos hippies.

Para captar o espírito daquele tempo conturbado e caótico, Pynchon e Anderson mostram a galeria de tipos estranhos: prostitutas, proxenetas, falsos profetas hippies e policiais recalcados. É o primeiro livro de Pynchon a ter sido adaptado às telas. Pynchon, autor de 77 anos recluso que não é fotografado desde 1962,  é venerado como o último símbolo do anarquismo conracultural. Inspirado na escritura automática e supra-realista de Pynchon, Anderson pinta o final dos anos psicodélicos como um cenário barroco, com seus cacoetes e gírias, e põe em ação cenários e figurinos estilizados. O resultado  lembra Argo e Trapaça, filmes no gênero “vintage” tão em moda hoje, no qual as últimas décadas do século XX são representadas de forma estereotipada e satírica. O espectador tende a rir, como se divertisse com as falhas, as ingenuidades e as imundícies do passado recente e, talvez, ultrapassado. Nesse sentido, Vício inerente triunfa. Mas vai repugnar muitos espectadores. 

Assista ao trailer: 

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