Quando competir é mais que viver

Em Foxcatcher, a luta greco-romana é a metáfora da rivalidade entre talento e poder. Adivinhe quem ganha?


Luís Antônio Giron, do cmais+ Cinema

21/01/15 18:30 - Atualizado em 21/01/15 18:32

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Channing Tatum e Steve Carell durante as gravações de Foxcatcher (Foto: Divulgação) 

O filme Foxcatcher – Uma história que chocou o mundo aborda de forma pioneira a luta greco-romana. Exceto pelos filmes de gladiador, ela é uma modalidade das arte marcial pouco explorada pelo cinema. Isso talvez porque possua suas regras, estética e discrição peculiares, o que muitos associam ao homossexualismo e que a afasta de outras artes marciais mais glamorosas, como kung fu, luta livre e boxe. Seus movimentos são austeros e previsíveis, arcaicos mesmo. Além disso, o Comitê Olímpico Mundial decidiu pelo banimento da greco-romana para a Olimpíada de 2020. Trata-se, enfim, de uma arte marcial agônica. O diretor Bennett Miller explora essas características em Foxcatcher, demonstrando ser uma luta que, quando extrapolada, pode servir como a metáfora da rivalidade entre o talento genuíno e a sede de poder. É fácil adivinhar quem vai ganhar o confronto.

Miller, de 48 anos, possui um estilo documental e antipoético que faz lembrar o estilo de Hollywood da década de 70, no qual se destacaram Francis Ford Coppola, Steven Spielberg e Terrence Malick. Usa cortes secos, enredo linear e iluminação aparentemente naturalista, elementos que o ajudam a recriar ambientes históricos recentes. Baseia-se em fatos reais. Havia retratado a diferença entre o plano e a execução na vida americana em dois filmes admiráveis: Capote (2005), sobre o envolvimento do escritor Truman Capote nos anos 60 com seu objeto de narrativa, um assassino serial, e O homem que mudou o jogo (2011), sobre o sonho de um treinador de beisebol em converter o esporte em ciência exata em meados dos anos 90. Ele recua aos anos 80 para contar como um multimilionário, John Du Pont (Steve Carell), herdeiro do laboratório de mesmo nome, tentou se passar por grande treinador de luta greco-romana, explorando os talentos dos campeões e irmãos Mark (Channing Tatum) e David Schultz (Mark Ruffalo). Du Pont será capaz de cometer atrocidades em nome de sua vaidade.

Personagem doentio, assombrado pela mãe (a quem busca o tempo todo impressionar, inutilmente) e a fortuna familiar, Du Pont queria se destacar em alguma atividade. Cercou-se então de lutadores com o objetivo de conquistar medalhas de ouro olímpicas. Contratou David Schultz como “assistente” e mandou fazer um documentário, no qual ele aparecia como benemérito, salvador de talentos e águia americana. Tanto que gostava de ser chamado de “Eagle”, apelido que seu nariz aquilino acentuava.  No filme, o comediante Steve Carell interpreta o personagem com eficácia, ajudado pela maquiagem. O espectador diante de Carell tende a imaginar que uma piada pode sair dele a qualquer momento. Mas o que vê é um sujeito cruel e dono de um olhar perturbador. 

Situações constrangedoras, como a relação entre Du Pont e David, que se degenera rapidamente de amizade a paranoia, misturam-se a sequências de treinamentos em que os corpos se confrontam e por vezes se fundem, numa estranha coreografia, com insinuações de homossexualidade. A trilha sonora do compositor Rob Simonsen (de As aventuras e Pi e Pequena Miss Sunshine) pontua com tensão o desenrolar de um enredo trágico. Du Pont acredita que competir é mais importante que qualquer valor humano. E sua ambição, maior que a vida dos outros.

Foxcatcher não obteve nem um prêmio Globo de Ouro e foi esnobado pelo Oscar. Apesar de quatro indicações para Direção, Ator, Ator coadjuvante, Roteiro e Maquiagem, não concorre a Melhor Filme. Talvez porque tenha sido um fracasso de bilheteria: US$ 10 milhões, desde sua estreia americana, em 14 de novembro do ano passado. Mesmo assim – ou por isso mesmo - é um  filme poderoso sobre a realidade e sua ausência de redenção ou de beleza, expressa pela luta greco-romana. O filme ensina que a vida é uma luta sem graça. E a ausência de brilho fácil impede que o filme ganhasse prêmios.

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