Ao completar 80 anos, o grande maestro brasileiro rege uma série de concertos dedicados a Mahler, grava as 11 sinfonias de Villa-Lobos e se diz realizado como artista
O maestro paulistano Isaac Karabtchevsky é mais conhecido no Brasil pelos projetos populares do que por seus celebrados desempenhos sinfônicos e operísticos em palcos europeus. Mas, nos últimos meses, sua contribuição efetiva para a música clássica universal tornou-se evidente. Karabtchevsky pode ser considerado o maior maestro brasileiro desde Eleazar de Carvalho (1912-1996). Além de concertos inesquecíveis com orquestras improváveis, ele está à frente da restauração e da gravação da integral das 11 sinfonias de Heitor Villa-Lobos com a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), pelo selo Naxos, que deve se completar em 2017. Karabtchevsky fez jovens músicos carentes tocar e compreender as sinfonias de Gustav Mahler em profundidade. E pôs no mapa do repertório internacional a obra sinfônica de Villa-Lobos. Grandes façanhas.
“Vivo um momento que posso definir como o da cereja no bolo”, afirma Karabtchevsky ao cmais. “Tenho a sorte de testemunhar uma transformação muito grande. A vida sinfônica no Brasil deu um grande salto, graças a instituições como a Osesp. Hoje é possível realizar projetos grandiosos como o da integral de Villa-Lobos, algo impensável nos anos 70 e 80.”
A comemoração do anivesário de 80 anos de Karabtchevsky (ele nasceu em 27 de dezembro de 1934 em São Paulo) começa com uma série de concertos regidos por ele, a iniciar hoje, dia 24, às 20h, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, à frente da Orquestra Petrobrás Sinfônica. Rege a Sinfonia nº 2, ‘Ressurreição’, de Gustav Mahler. Assim, ele dá início à largada de uma maratona que compreende a Segunda de Mahler pela Orquestra Sinfônica de Heliópólis, dia 8 de novembro na Sala São Paulo, e chega ao ápice em 22 dezembro, também na sala São Paulo, quando vai juntar a Petrobrás Sinfônica e a Sinfônica de Heliópolis para executar a Sinfonianº 9, de Mahler – uma obra que até pouco tempo atrás significava um desafio intransponível pelas orquestra brasileiras.
“Escolhi Mahler por razões musicais e sobretudo pessoais”, conta. “Musicais porque é uma premonição monumental das catástrofes que aconteceriam na história europeia, com a eclosão da Primeira Guerra Mundial. Pessoais porque Mahler e Bruckner me reconciliaram com a tradição sinfônica germânica, algo que, para mim, um jovem judeu que começava a estudar regência com uma bolsa na Universidade de Freiburg em 1958, parecia algo impossível de ocorrer. Além disso, Mahler é o símbolo de fé no ser humano e na preservação da espécie, acima de todas as diferenças e preconceitos. Minha interpretação de Mahler, portanto, nasce de aspectos que extrapolam a música. Eu rejo essas sinfonias como se contasse um momento dramático da história humana.”
A fé no futuro do homem fez com que forjasse para si próprio uma persona popular, do maestro para o povão. Nos anos 70 e 80, ele dirigiu concertos que divulgavam a música clássica. Liderou o Projeto Aquarius, que levou música erudita a praças e shopping centers de todo o Brasil. Há três anos ele se dedica ao trabalho de educação musical de jovens carentes, junto à Orquestra Sinfônica de Heliópolis, em São Paulo. De repente, o maestro popular começou a ensinar Mahler e Richard Strauss, compositores difíceis, a comunidades carentes.
Em paralelo, ele não deixou de lado o rigor da regência e da pesquisa. Tem dirigido concertos e óperas em centros musicais renomados, como Viena e Veneza. De 1988 a 2012, foi diretor musical da Tonkünstler Orchester de Viena e dirigiu óperas na Staatsoper e na Volksoper, as duas principais casas de ópera vienenses. Desde 1996, dirigiu várias produções no Teatro La Fenice de Veneza, como Erwartung, de Arnold Schoenbert e O Castelo do Principe Barba Azul, de Béla Bartók, O Navio Fantasma, de Richard Wagner, e Don Giovanni, de Wolfgang Amadeus Mozart. O perfeccionismo fez com que se deparasse com as partituras repletas de erros das sinfonias de Villa-Lobos e a necessidade de corrigi-las. “Junto a um grupo de musicólogos, comecei a corrigir falhas gritantes”, diz. “Conseguimos soprar vida a obras desprezadas.” Depois desse trabalho de pesquisa, passou a buscar compreender a envergadura do legado sinfônico de Villa-Lobos, até então ignorado. “Villa-Lobos era conhecido pela politonalidade e pela variedade de fontes de inspiração. Da primeira sinfonia, composta em 1916, até a última, de meados dos anos 1950, ele construiu um conjunto de sinfonias que merece estar entre as melhores do século XX.”
Muito do recente progresso musical no Brasil se deve a Karabtchevsky e ao talento que tem para mobilizar músicos e inflamá-los em execuções espetaculares. Assim como regeu respeitáveis grupos sinfônicos na Europa, ele deveria estar agora, no auge de seu gênio, à frente de uma grande orquestra sinfônica nacional.
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