Gonçalo Ivo apresenta suas mais recentes pinturas na Galeria Boulakia, em Paris

Em entrevista exclusiva ao cmais+, o artista que conviveu com Iberê Camargo e outros mestres fala sobre a sua trajetória e a sétima individual na capital francesa


Rita Albuquerque, do cmais+ | foto Divulgação Arte & Cultura

25/11/14 17:25 - Atualizado em 26/11/14 11:00

Gonçalo Ivo
Gonçalo Ivo em seu estúdio no Brasil, em 2014 (Foto: Divulgação)

A partir do dia 2 de dezembro, a Galeria Boulakia, em Paris, apresenta 15 pinturas em grande formato produzidas pelo brasileiro Gonçalo Ivo nos últimos três anos.

Em sua sétima mostra individual na capital francesa, Gonçalo - fiel a si mesmo e à pintura - permanece aprofundando questões plásticas que lhe são caras: a cor como forma autônoma de linguagem, uma geometria mais próxima à poesia que ao rigor e uma latente espiritualidade gerada pela admiração por artistas do passado.

Aos 56 anos, o pintor que conviveu em sua juventude com Iberê Camargo, Aluisio Carvão e que tinha nas paredes da casa paterna Lygia Clark, Volpi, Eliseu Visconti e muitos outros mestres falou com exclusividade ao cmais+.

cmais+: Para começar, fale sobre quem é Gonçalo Ivo.
Sou essencialmente um pintor. Uma espécie de animal pictórico que vive um estado quase que eterno de imersão nas questões da pintura e da arte.

cmais+: Como se deu a descoberta desta faceta artística?
Meu interesse por arte e por pintura se deu muito jovem. Sou filho de poeta [Gonçalo é filho de Lêdo Ivo] e de professora. A casa de meus pais volta e meia abrigava encontro de escritores e pintores. Era criança quando conheci o grande pintor Iberê Camargo, de quem ele colecionava pinturas. Meus pais tinham uma biblioteca muito vasta e entre estes livros vários de pintura de todos os tempos, dos antigos aos contemporâneos. Ainda nos anos 50, meus pais adquiriram obras de Volpi, Milton Dacosta e Lygia Clark, além da pintura brasileira da virada do século 19 para o 20. Todo este ambiente plural me encantava. Houve também a descoberta da musica muito cedo. Eu com 10 anos de idade já ouvia Brahms e Mahler. Note, estou falando de um menino numa época em que a informação demorava a circular. A música é uma das outras paixões da minha vida. Quando passei a pintar e a copiar os quadros que estavam nas paredes da minha casa e a pedir a meu pai para ir a exposições e museus, ele logo me levou num périplo pelos ateliês de seus amigos. Evidentemente que o ateliê do Iberê fazia parte deste percurso, mas foram dezenas de outros percursos de artistas de diversos matizes que tive a alegria de visitar: José Paulo Moreira da Fonseca, Emeric Marcier, Ione Saldanha, Augusto Rodrigues, Abelardo Zaluar e muitos outros.

cmais+: Você está em Paris desde 1999. Há alguma relação entre a ida à capital francesa e a imersão nas questões da pintura e da arte, a qual já citou?
Minha mulher Denise e eu sempre viajamos muito. Nestes quase 30 anos de casados conhecemos uma boa parcela do mundo. Desde o nordeste brasileiro, suas zonas áridas, até a Europa. A vinda para Paris se tornou fundamental na minha vida de pintor. Vim para fazer uma exposição na Suíça e estou aqui há 15 anos. Porém, não perdemos de forma alguma o contato com o Brasil.

cmais+: Por que você julga ter sido fundamental, isto é, sob quais aspectos a mudança de ares impactou sua trajetória artística?
No princípio eu não tinha a menor ideia de que ia se operar qualquer mudança em meu trabalho. Mas você sabe, alguns artistas são como esponjas ou grandes antenas que acumulam muito do que está ao seu redor. Em minha opinião, sou um artista contemporâneo porque vivo no meu tempo, mas professo isto de maneira bem distinta que meus colegas, pois me dedico exclusivamente à pintura. O mundo contemporâneo entra em minha obra de uma forma menos evidente. Mesmo quando o trabalho ganha o espaço e me expresso através de objetos de parede e de outros que se aproximam da escultura tradicional, a linguagem é outra.

cmais+: Como você mesmo disse, antigamente, falava-se sobre as musas ou da lira encantada do poeta. Quem são as musas que inspiram Gonçalo Ivo?
A palavra inspiração, que serve como partida para a criação, ela é muito ampla. Eu tenho várias musas. A maior delas é a própria pintura, aquilo que foi feito antes de mim pelos meus guias: Giotto, Ticiano, Rubens, Volpi, Klee, Guignard, numa lista infinita de admirações, paixões, reverências. Há a música, que me move o tempo todo e que não para da hora em que acordo até o momento em que durmo. E há também a vida, este visto e vivido que nos alimenta cotidianamente com seus deleites e horrores.

cmais+: Qual é o valor das cores e da simetria em sua produção?
A cor para a pintura talvez seja como a melodia para a música e a poesia. Sempre foi importante. O que é curioso é que alguns artistas a explicitam de maneira mais transcendente. Faço parte de uma família de artistas - pois há várias famílias -, em que a cor é um elemento praticamente constitutivo da obra, está dentro dela e a carrega para a superfície. Toda a simetria ou geometria que aflora no meu trabalho é pensada de maneira muito intuitiva, sem os rigores dos artistas concretos ou dos geométricos mais radicais. Mas a geometria está lá, não posso negar. Porém, quero fazer uma ressalva: a geometria aparece abundante na natureza. Existia antes do homem se apropriar dela como matéria para o pensamento, para a arte e para a filosofia. Em mim, às vezes imagino um determinado colorido. Sei que é muito complexo falar disso. É como se algo que não conheço falasse ou indicasse para mim certa direção.

cmais+: Então podemos afirmar que você é um artista intuitivo.
Como disse antes, a intuição é um guia para mim. Não tenho metas ou objetivos muito claros quando inicio um trabalho. Costumo dizer que pintar, para mim, é como se eu estivesse numa viagem, num trem, em que o mais importante não é nem a chegada nem a partida, mas a viagem em si.

cmais+: Pensando nisso, suas obras são independentes ou mantêm alguma relação?
Acredito que todos os meus trabalhos acabam se relacionando. Alguns críticos veem um momento de inflexão do que venho fazendo nos últimos anos. Pode ser, mas gostaria de tempo para que pudesse olhar no retrovisor e ver com mais clareza.

cmais+: Você espera que seus quadros comuniquem algo ao público?
Esta é uma grande incógnita. Alguns artistas dizem que não pintam para o público. No futebol, por exemplo, há aquele jargão que diz "fulano está jogando para a arquibancada". A impressão que tenho é que o êxito e o fracasso vivem de mãos dadas. No meu caso, o que faço hoje não passa por este tipo de questionamento. Talvez quando mais jovem ainda me questionava: "será que vou ser aceito?".

cmais+: Fale sobre as 15 pinturas que estarão expostas na Galeria Boulakia, em Paris, a partir do dia 2 de dezembro. Elas foram feitas nos últimos três anos, certo?
Estas pinturas são o que de mais recente produzi. E ainda estou terminando uma de 2,0 x 2,0 metros para a exposição que vai começar.

cmais+: E qual é a expectativa para a sétima individual na capital francesa?
Expor em Paris, especialmente na Galeria Boulakia, que é especializada no melhor da arte moderna e contemporânea europeia e americana - Monet, Renoir, Derain, Picasso, Joan Mitchel, Basquiat, Tapies etc - é, antes de mais nada, uma grande honra. É a minha segunda exposição na galeria de Fabien Boulakia, convite este que me deixa extremamente envaidecido, pois Fabien é um homem experimentado de 80 anos de idade e que já viu muita arte em sua vida.

Exposição de Gonçalo Ivo
De 2 de dezembro a 5 de janeiro de 2015.
Galerie Boulakia - Av. Matignon, 10, Paris - França.

Veja a galeria de fotos:

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