Contrações: uma crítica absurdamente plausível ao mundo corporativo

Espetáculo dirigido por Gracê Passô, com atuação de Débora Falabella e Yara de Novaes, traz uma crítica pontual sobre as relações de subjugação no trabalho


Marcio Moraes, do cmais+ Arte & Cultura

25/06/15 01:02 - Atualizado em 25/06/15 12:43

 Débora Falabella e Yara de Novaes são contrapontos de uma relação hierarquizada. (Foto: João Caldas/Divulgação)
Débora Falabella e Yara de Novaes são contrapontos de uma relação hierarquizada (Foto: João Caldas/Divulgação)

“Olá! Entre. Sente-se, por favor. Tudo bem?”; é assim que nos recebe o espetáculo teatral Contrações, tradução de Silvia Gomez do texto do dramaturgo inglês Mike Bartlett, dirigido por Gracê Passô, com atuação de Débora Falabella e Yara de Novaes. O palco do Teatro Porto Seguro com cenário já preparado, sem cortinas, é um sinal da desconstrução aparente que a peça instaura a cada momento. Músicos visíveis ao fundo, vemos as atrizes esperando o espetáculo começar, observando os seus receptores curiosos. Assim que o sinal toca, as luzes de serviço decompõe-se enquanto as luzes do palco acendem-se cadenciadamente. O cenário, é uma síntese teatral do ambiente corporativo, onde toda a trama se desenvolve.

Do corporativo, o grupo de pesquisa sobre as relações humanas tem a subjugação como ponto de partida para a construção cênica e aproveita-se da situação absurdamente plausível que o texto de Bartlett sagazmente constrói em torno da ética e do que é considerado correto no bom fazer do mundo das multinacionais. A premissa é simples, uma gerente (Sem nome, pois qualquer nome poderia torná-la minimamente humana) convoca Emma para uma reunião onde pede que a mesma recite em voz alta a cláusula de seu contrato que proíbe aos funcionários qualquer relação que possa ser caracterizada como sexual ou romântica.

O texto se alicerça na desconstrução dessa relação, em uma sequência interminável de reuniões para discutir o relacionamento que poderia ser caracterizado como romântico que a funcionária Emma possuía com um membro de sua equipe. Por mais absurda que cada reunião possa ser, a lógica empresarial, que visa apenas o bem da empresa e o aumento de seu lucro, reina e não deixa nenhum detalhe crucial para trás. Yara de Novaes traz em sua gerente, ações físicas contundentes, num trabalho corporal pautado na execração de qualquer sinal que não seja autoridade, amparada no poder da personagem construída sem qualquer traço que traga alguma relação emocional de proximidade possível com a plateia, dá-se a impressão de que a gerente não pertence à humanidade. Vemos muitas vezes em Yara, a personificação da corporação. O linguajar corporativo amplia ainda mais a sensação de (des)humanização que o mundo corporativo implica a seus membros.

“Você sangra?” pergunta a personagem de Débora Falabella à sua superiora. É o contraponto. A subalternidade vai ganhando peso, e Débora termina o espetáculo imunda, suja de sua própria subordinação. O humano, ansioso por liberta-se da máquina corporativa, uma vez preso pela supremacia da ética monetária degrada-se em sua submissão e obediência perante as instituições e organizações. Os respiros de humanidade da personagem ocorrem quando Débora sai das baias, e toca ao fundo, uma bateria. Um grito humano, a música.

Ao mesmo tempo que vemos elaboradas construções de personagens, muito bem executadas pelas atrizes, as propostas de distanciamento que ocorrem durante o espetáculo não são suficientes para que a poderosa crítica do texto de Bartlett transpasse o lugar cômico em que o absurdo se coloca. O momento em que Débora dialoga rapidamente, com apenas uma frase, questionando todo o espetáculo, a máquina corporativa, a gerente de Emma, enfim, o ponto chave da dramaturgia, necessita de um distanciamento maior da comicidade que a construção da personagem Emma naturalmente trouxe ao corpo da atriz, o que transformaria o riso em reflexão.

Todos os outros pontos do espetáculo, são acertos. A iluminação cria camadas de sensações ao longo das falas pontuadas. A trilha que descontrói e nos lembra que sim, isso é teatro, num jogo com a personagem Emma que é extremamente eficaz. O cenário é limpo, frio, austero como o mundo das personagens se propõe ser. O trabalho de corpo é extremamente pontual. Os motivos são vários para se assistir ao espetáculo e compreender ainda mais as relações abusivas do mercado de trabalho. Assunto que não poderia ser mais atual em tempos de crise. 

Contrações

Texto: Mike Bartlett
Tradução: Silvia Gomez
Direção: Grace Passô
Elenco: Débora Falabella e Yara de Novaes
Cenário e Figurinos: André Cortez
Iluminação: Alessandra Domingues 
Direção Musical e Trilha Sonora: Morris Picciotto
Direção de Produção: Gabriel Paiva
Idealização: Grupo 3 de Teatro

SERVIÇO

De 17 de junho à 29 de Julho
Quartas, às 21h 
Duração: 60 minutos 
Classificação etária: 14 anos
Ingressos: De R$ 60 à R$ 80
Local: Teatro Porto Seguro - 
Alameda Barão de Piracicaba, 740, Campos Elíseos - São Paulo
O teatro conta com serviço de vans, operando das 19h à 0h às quartas, na saída da estação da Luz.
Informações: Telefone 
(11) 3226-7310 ou www.ingressorapido.com.br

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