As mulheres que somos

Eliza Capai reflete nossa cultura e identidade em Tão Longe É Aqui, disponível a partir do próximo dia 8 na internet


Marília Fredini, do cmais+ Arte & Cultura

05/03/15 13:13 - Atualizado em 06/03/15 18:09

Tão Longe é Aqui (Dir. Eliza Capai) / Foto: Reprodução

Uma câmera na mão e muitos sonhos na cabeça. Foi assim que conheci Eliza Capai, jornalista formada pela Escola de Comunicações e Artes da USP, capixaba, carioca, viajante e sorridente. Sentada de frente para o mar, no Rio de Janeiro em 2009, ela dizia: "vou para a África". Parecia um sonho distante, mas o brilho nos olhos deixava claro que, como sempre, Eliza não estava de brincadeira.

Autosuficiente com sua câmera, notebook e "cara de pau", Eliza já havia percorrido a América Latina, do Panamá aos EUA, retratando mulheres em situação de migração. O curta Georgina's Magic Wand (2008, 9', Nicarágua/Brasil) foi eleito pelo público como Melhor Filme no Concurso Migration da Radio Canada. A África, afinal de contas, estava logo ali na frente, do outro lado do oceano. Tão longe, mas tão perto.

E foi assim que começou. Eliza percorreu Marrocos, Cabo Verde, Mali, Etiópia e África do Sul durante 7 meses em 2010, ano de Copa do Mundo, vuvuzela e Waka-Waka. Nas andanças, produziu vídeos para um canal de TV e carinhosamente compartilhou suas experiências em seu blog: "Sempre que viajo me pergunto em que momento começou. Se foi na decisão do país, no beijo longo a quem a saudade vai viajar junto, no sorriso de quando empurro o carrinho no saguão do aeroporto. Mas agora, apesar de mais de mês fora do Brasil, sinto que ainda não cheguei" . 

Eliza finalmente chegou, andou, sentiu, conversou, filmou, roteirizou e lançou. O resultado dessa jornada pessoal, feminina por excelência, pode ser visto a partir do próximo dia 8 na internet, no site de Tão Longe É Aqui.

A campanha de lançamento do filme conta ainda com a colaboração de diversas entidades e espaços culturais pelo Brasil, que programaram exibições em 15 cidades - e o número de sessões está aumentando - para os próximos dias. Quem quiser participar desse lançamento conjunto, basta entrar em contato através do site também. 

Em homenagem ao Dia da Mulher, uma conversa franca com Eliza Capai nos faz mergulhar ainda mais em seu filme e em nosso próprio universo. Vamos lá!

 

cmais+ | Estar longe de sua terra natal, vivenciando outra cultura é, antes de mais nada, uma viagem interior, de autoconhecimento. Nas suas andanças, você conheceu diversas Elizas? O que se manteve e o que se transformou ao longo do tempo?

A viagem de ir pra outra cultura é a possibilidade de entender minha própria cultura, de me ver e me entender. (...) Eu sempre vou me deparando com várias Elizas. (...) As “eus” que esperava encontrar não apareceram e vieram outras muito diferentes. E muitas vezes “eus” que eu detestei porque era o oposto do que eu gostaria de sentir, de preconceito, de angústia. (...) E me ver no lugar de julgar, de ser o oposto do que eu gostaria de ser foi muito forte. (...) Essa foi a Eliza mais cruel que eu vi (...)

 

 

cmais+ | Em um dos vídeos de Africanas, série que deu origem a Tão Longe É Aqui, você comenta sobre essa mudança de perspectiva na relação da mulher com seu próprio corpo, levando a uma reflexão sobre os costumes religiosos e culturais que levam mulheres a esconder-se atrás de véus e saias compridas. Para elas, no entanto, somos nós que vivemos uma "ditadura" de beleza. Como você vê essa questão?

Acho que o mais legal da viagem à Africa foi quebrar com esses estereótipos que eram certezas que eu tinha sobre a nossa cultura. (...) Teve um momento que foi muito forte (...) Era uma da manhã, eu tava perdida num país estrangeiro, três caras me seguindo e um deles falando em árabe comigo de uma maneira muito violenta. (...) O que teria acontecido se eu fosse uma estrangeira perdida no centro de uma grande cidade do Brasil e três homens tivessem se dado ao trabalho de me seguir? (...) Certamente, no mínimo, eles teriam me apalpado. (...)  Não apenas o nosso padrão de beleza, mas a nossa cultura é inteira do físico. Um homem pode encostar numa mulher sem permissão o tempo inteiro em nossa cultura.(...)

 

cmais+ Nossa cultura latinoamericana é bastante ocidentalizada: cristianismo, consumo, leis e referências culturais. Para diversos europeus e norte-americanos, no entanto, não somos parte do "Ocidente". Você foi à Africa encontrar raízes, mas se questionou. O que somos?

Eu começo a viagem da áfrica buscando raízes (...) e quando eu começo a entrar nos países mais interiores que foi o Mali e a Etiopia, eu não era de forma alguma um reflexo no espelho daquelas pessoas. Eu era a colonizadora. (...) Eu virei meu inimigo histórico. Aí eu pirei. Eu me via uma outra que eu não gostava. (...) Aí eu volto pra Europa (...) e um inglês me perguntou sobre o que era o filme (...) e eu falei que “basicamente o filme é uma ocidental andando pela África e tentando entender aquelas culturas”. Ele falou “desculpe, como você vai me fazer acreditar que você é ocidental?” (...) Nessa discussão, nós somos latinoamericanos, nós somos a mistura. (...)

 

cmais+ Quais desafios você enfrentou por estar viajando sozinha pela América Latina, África e Europa?

Na África,  eu sentia que tinham três gêneros em muitos lugares: a mulher, o homem e o viajante (...) o que me dava muito mais liberdade de circulação (...) A mais punk foi na América Central (...) Além do perigo real, tinha a cultura do medo. Você vai ser estuprada, cortada em pedacinhos (...)

 

cmais+ Dizem que aos 30 anos passamos pelo Retorno de Saturno, momento em que tomamos consciência de nossas limitações, daquilo que podemos ou não podemos fazer. De que maneira isso influenciou, se é que influenciou, sua experiência no desenvolvimento de Tão Longe É Aqui?

Pra mim foi o momento que tive essa consciência do tempo. O filme é inteiro sobre a crise dos 30 (...) A viagem pra África já é fruto de resolver essa crise, meu tempo é contado eu sei que agora é o máximo do vigor físico que eu vou ter daqui pra frente (...) e aí no momento de definir o roteiro isso volta muito forte. (...) Não querer me limitar foi o fator decisivo para que o filme fosse filmado, primeiro e depois terminado.

O cmais+ é o portal de conteúdo da Cultura e reúne os canais TV Cultura, UnivespTV, MultiCultura, TV Rá-Tim-Bum! e as rádios Cultura Brasil e Cultura FM.

Visite o cmais+ e navegue por nossos conteúdos.

Comentários

Compartilhar


relacionadas