Letra Nova

Sérgio Sant’Anna, o estivador da linguagem

O autor carioca conta segredos do trabalho duro de narrar e lança o volume de contos O homem-mulher


Luís Antônio Giron, do cmais+ Literatura

04/09/14 19:11 - Atualizado em 05/09/14 11:52

Sérgio Sant’Anna

O carioca Sergio Sant’Anna, de 73 anos, parece ser escritor mais descontraído do mundo. A leitura dos seus 18 livros em 45 anos de carreira, entre contos, poemas e romances, comprova a impressão. Suas histórias curtas (ele não gosta da palavra “conto”) surpreendem e provocam sentimentos contraditórios, de horror a gargalhadas, de estranhamento e refúgio. Seu último livro, O homem-mulher (Companhia das Letras184 páginas, R$ 36,00), reúne 19 textos, entre histórias e reflexões, oferecem uma leitura que nunca entedia.

Mas que o leitor não se engane: a obra de Sant’Anna ilude quem penetra nela com olhar inocente. Ele é autor de enredos antológicos que o converteram num dos maiores contistas do Brasil (ele prefere a palavra “narrador”). É conhecido pelo estilo refinado e as histórias imprevisíveis, fruto de um trabalho cansativo. “Sou um estivador da linguagem”, diz ao cmais, em entrevista por telefone (ouça a íntegra), de sua casa, no Rio de Janeiro. “Reescrevo um texto várias vezes, até que atinja um resultado que eu considere bom.”

Há ocasiões, porém, em que o texto fica anos sem ser alterado para, de repente, Sant’Anna cismar que faltava algo nele. Um detalhe. Por exemplo, o conto O concerto de João Gilberto no Rio de Janeiro, que dá nome à coletânea publicada em 1982, é considerado um dos clássicos de Sant’Anna. Narra a história de um show que não aconteceu no Canecão porque o cantor João Gilberto não aprovou o som da casa de espetáculos.  “Outro dia me dei conta de que faltava uma frase na história: ‘ ‘O pato’ é um clássico?’.” A frase foi acrescentada ao conto e constará da próxima edição do livro, a sair em outubro. Sant’Anna não sabe dizer por que faltava aquela pergunta, mas acha que ela valorizou a história. Manias de ficcionista.

Por falar nisso, diz que não tem método definido, embora goste de escrever logo depois de acordar. Senta na cadeira de balanço, apoia os pés em um baú que pertenceu a seus pais e escreve à mão, enchendo cadernos com suas histórias. “Só depois eu passo para o computador”, afirma. “Escrever assim é melhor. O computador tem uma facilidade enganadora. Mas o texto parece que sai pronto demais com ele. A mão é o melhor dos instrumentos.” Mesmo que acorde e escreva cedo, ele quase nunca se inspira em sonhos. “Sonhos são muito mais geniais no momento em que o estamos sonhando”, diz. “No papel, perdem a graça. Mas um de meus contos saiu de um sonho. É ‘O submarino alemão’, a história de como meu pai escondeu no quintal um submarino, um sonho maluco que tive.” 

Sant’Anna pode tanto pensar para escrever como escrever para pensar. Em dois contos de O homem-mulher, - intitulados “O conto maldito e o conto benfazejo” e “Prosa” - ele repete um dos motivos condutores de sua obra: a reflexão sobre o trabalho do escritor. “Não gosto da palavra ‘metalinguagem’, mas é mais ou menos isso que faço.” Nos dois textos, ele aborda os dilemas dos contadores de histórias que têm de lidar com assuntos escabrosos – e de alguma maneira compactuar com aspectos hediondos do ser humano – e o ideal de escrever. Em “Prosa”, escreve: “Um texto que não servisse de mero entretenimento, como os das novelas policiais, em que se disfarçam a feiura e o odor de cadáveres, nem o texto do riso fácil dos idiotas.” Essas profissões de fé em forma de narrativas breves foram redigidas sob efeito de ácido lisérgico. “Foi uma experiência consciente de escrever inconscientemente”, afirma. “E o resultado saiu lógico e articulado.”

As sessões de escrita falsamente automática fizeram com que chegasse à conclusão de que seus livros não combinam com estes tempos em que os autores são pressionados a escrever às pressas para agradar a editores ansiosos pelo sucesso. “Eu não sou um homem à venda”, afirma.  “Não assino contratos de produtividade com minha editora. Quando termino um livro, mando para ela. Assim me sinto livre para fazer o que eu gosto.”

Sant’Anna desaprova a hiperatividade de autores famintos para agradar ao público. “Os escritores deveriam produzir menos e o público lê-los mais.  Deveria haver menos livros no mercado, para que pudessem ser mais lidos.”

Com um estilo que pode tanto lembrar os experimentais Rubem Fonseca e James Joyce como o rigoroso e clássico Gustave Flaubert (um de seus autores favoritos, inspirado no qual escreveu o conto “Lencinhos”, sobre uma senhora que vende lenços), ele é um narrador tão especial que provoca no leitor uma pergunta parecida com a que ele fez sobre o sucesso de Joao Gilberto: “Sérgio Sant’Anna é um clássico?” Certamente é. Trata-se de um dos raros autores contemporâneos brasileiros que merece esse título.

Ouça a entrevista na íntegra

O Homem-Mulher (Sérgio Sant’anna - Companhia das Letras)

Leia um trecho do livro O Homem-Mulher, de Sérgio Sant'Anna.

 

Dave Eggers e a sátira à morte da privacidade

Dave EggersImagine um mundo em que todos os dados das pessoas são rastreados e a vida privada se tornou uma verdadeira utopia. Não é preciso imaginar, porque este é o nosso mundo, vigiado pelas redes sociais, pelo Google e pela Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos. Esta é a premissa de um dos romances mais divertidos e importantes da temporada: O Círculo, ” (Companhia das Letras, 528 páginas, R$ 54,20, tradução de Rubens Figueiredo) do americano Dave Eggers.

O livro narra a história da ascensão da jovem Mae Hollland, que começa a trabalhar no atendimento ao cliente da maior empresa de internet do mundo: The Circle, o Círculo. Essa empresa é uma mistura de Google, Twitter e Facebook. E à medida que a jovem Mae sobe na hierarquia, vai assumindo a mentalidade da supercorporação. O mantra do Circle é “privacidade é roubo”. Todos estamos nus perante Deus e o mecanismo de busca total. O Círculo é um grande pontapé satírico em nossa época de fascínio pela internet.

Livro O Círculo

Leia um trecho do livro O Círculo, de Dave Eggers.

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