Letra Nova

Miguel Del Castillo e o elemento da vida

Em Restinga, o escritor carioca estreia com uma coleção de contos sobre o cotidiano, alguns com jeito de clássicos


Luís Antônio Giron, do cmais+ Literatura

26/02/15 18:28 - Atualizado em 26/02/15 18:34

miguel-castilho

Escritores novatos costumam vacilar no início da carreira. Poucos vêm a público munidos de um livro acabado e inquestionável. O carioca Miguel Del Castillo, de 28 anos, contraria a tendência com o lançamento de seu primeiro livro, Restinga (Companhia das Letras, 128 páginas, R$ 34,90).

Trata-se de uma coletânea de narrativas curtas, com dez contos e uma novela. Os temas são inspirados na observação da vida diária: aventuras de meninos pelo mundo dos adultos (“Cancun”); casamentos que se revelam subitamente infelizes (“Colônia”); o tédio resignado de um homem que vive às margens do Mar da Prata em Montevidéu (“Laguna”); uma mulher que faz uma viagem de navio para reencontrar o passado (“Cruzeiro”); um guerrilheiro uruguaio que foge as ditaduras latino-americanas nos anos 70, levando a família junto (“Violenta”); a doente que sonha fazer um passeio pela Restinga da Marambaia (“Restinga”). E assim por diante. São contos imaginosos, embora contidos e dotados de uma estrutura nítida, com personagens densos e psicologicamente coerentes. O estilo é tão conciso que se aproxima da elipse. Del Castillo diz menos do que deixa entrever: eis aí a peculiaridade de sua arte, baseada na sugestão. As historias demoram a acontecer, mas elas acabam rápido no papel, continuando na imaginação. O leitor sente a ressonância de um enredo, uma impressão e uma lembrança.

Esse poder de concisão atraiu os jurados que escolheram o conto “Violeta” para figurar na seleção de vinte jovens escritores brasileiros em edição publicada pela revista inglesa Granta em 2013. O conto lhe deu visibilidade e foi fundamental, diz, para a decisão de seguir a carreira literária. “A partir da Granta, comecei a pensar que deveria investir na escrita do livro”, afirma.

A vocação literária surgiu na infância. Seus pais lhe davam livros de presente, além de brinquedos como Lego e Comandos em Ação: “Minha memória mais vívida, de pensar ‘estou lendo um livro e isso está mexendo comigo, queria tentar escrever também’ data lá da quinta ou sexta série, quando tinha aulas de português com a dona Stella e lemos, acho, Tchau, da Lygia Bojunga. No mesmo ano houve um sarau em que tive de ler um texto meu, não me lembro de o que era. A mesma professora, na sétima ou oitava série, incentivava-nos a jogar RPG como forma de desenvolver a ideia de narrativa e claro que (quase) todo mundo adorava.”.

Também leu aventuras da coleção Salve-se Quem Puder e da série Vagalume, como O escaravelho do diabo e O mistério dos cinco. Aos 10 anos, se encantou pelo romance juvenil A espiã, de Louise Fitzhugh, de tal maneira que começou a imitar a heroína, maníaca por anotar o que vê: “Ficava me esgueirando pelos cantos da escola e anotando em uma caderneta coisas que via e ouvia. Essa prática não durou muito. Lembro-me dos meus amigos me perguntando porque estava agindo daquele jeito estranho. Mas, pensando agora, ainda hoje faço algo parecido, porém  não escondido.”

No final da adolescência, descobriu Clarice Lispector e Jorge Luis Borges. “Foi uma descoberta, e a leitura dos livros dela atravessou pelo menos até a metade do meu tempo de faculdade”, conta. “Era algo que eu lia e que me dava vontade de escrever - acho que isso, no caso da Clarice, deve acontecer com muita gente -, e também me chamava à atenção a importância que ela dava ao cotidiano e às relações familiares, por exemplo. Na faculdade também, o que mais fiz foi ler Borges; minha literatura não tem nada de fantástica, mas acho que me reconheço ali talvez na ideia na criação de imagens fortes e na presença importante da arquitetura.”

Del Castillo se diz influenciado por J. M. Coetzee, Flannery O'Connor, António Lobo Antunes e Alejandro Zambra, escritores com uma abordagem experimental. Nada mau para quem começou com RPG e trabalhava como arquiteto. De fato, até a Granta, ele não passava de um arquiteto frustrado, com um único conto publicado em uma antologia obscura. “Há vários motivos para minha desistência da arquitetura como profissão”, diz. “Uma delas é que meu pensamento não é nada estruturado e organizado. Então, eu diria que tende mais para o caótico mesmo e, hoje em dia, para o ‘método das brechas’: trabalho oito horas por dia, então Restinga foi escrito à noite, de madrugada, nos fins de semana e no avião, indo e voltando do Rio.”

Trabalha atualmente em São Paulo, como editor de livros de arte e fotografia na editora CosacNaify. Nas horas vagas, pensa em fazer um romance, mas não quer detalhar a trama. Limita-se a revelar seu jeito de contar histórias: “Não sei se é comum, mas tenho um método curioso de escrever e de traduzir também: vou escrevendo/traduzindo e depois volto no começo e edito como se aquilo fosse um texto cru que chegou para mim e que precisa de uma intervenção pesada; reposiciono frases, elimino clichês e pieguices (que vou deixando surgir ao escrever na primeira vez, porque às vezes eles têm um motivo de ser, só precisam ser escritos de outra forma ou transformados em algo mais complexo), desenvolvo melhor alguns pontos etc.”.

Além de métodos e influências – ou aquém disso – foi a vontade de encontrar um estilo e uma voz que levou Del Castillo à escritura. “Se considerar o "Violeta" com o meu ‘começo’ na ficção, diria que era uma história que existia e que eu precisava de algum jeito contar”, afirma. “Mas a gente vai se encontrando na vida, entendendo aquilo que faz razoavelmente bem, e investe nessas coisas (por exemplo, desisti de inspecionar obras e detalhar banheiros, e vi que levava mais jeito para texto). Acho que, para todos nós que lemos com frequência, a literatura é quase um elemento da vida.”

Alguns, como ele, encontraram esse elemento mais cedo. “Restinga” é o resultado de uma descoberta – e marca o início de uma promissora carreira nas letras.

Leia o trecho do livro

Restinga - Dez contos e uma novela

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