Com os contos Afagos e o romance Desviver, o consagrado artista plástico José Rufino amplia a imaginação com a literatura
José Rufino, autor de Afagos, junto a Ad extremum, de 2012 (Foto: Adriano Franco)
O consagrado artista plástico paraibano José Rufino, de 49 anos, lança o seu primeiro livro, Afagos (CosacNaify, 208 página, R$ 29,90), uma coletânea de microcontos sobre situações-limites nas quais o narrador chega antes ou depois do ápice da trama. Trata-se de fragmentos poéticos nos quais as paixões humanas – a morte, o amor, o medo, o rancor, a vingança – assumem uma qualidade dramática digna dos personagens que as encarnam.
A obra surpreende, pois evidencia um autor maduro e no controle dos processos narrativos. Um autor lírico que se ocultava no artista plástico obcecado pelos temas da memória e da política em instalações de grande porte, algumas delas agressivas, como a representação de interiores de casas e escritórios desprovidos de seres humanos, mas inundados por seus fluidos e cacos de seus sonhos políticos. A repercussão do livro de Rufino entre os críticos tem sido positiva.
Segundo ele, Afagos dá início a uma produção que promete ser longa. “Como essa torneira literária foi aberta tardiamente o que me dá realmente trabalho é conter a enorme vazão”, diz ao Cmais (leia entrevista). Ele está concluindo seu primeiro romance Desviver, em torno do Ciclo da Cana-de-açúcar, que escreveu subvencionado por uma bolsa da Funarte.
Tanta suas instalações como suas histórias são construções irrespiráveis, que, longe de acolher, lançam o visitante leitor-espectador a um purgatório onde dominam a dúvida, a crítica e o desencanto. Paralelamente à carreira de artista iniciada nos anos 1980 – fez exposições internacionais e suas obras são disputadas por colecionadores e curadores –, Rufino envolveu-se nos movimentos da arte postal e da poesia visual dos poetas concretos paulistas.
Assim, sua ficção “tardia”, como ele acha, resultam na síntese de sua estética peculiar: marcam a união do poeta, do artista e do ficcionista, cada um deles com procedimentos e inclinações distintas. Nesse sentido, ele se integra na série dos artistas preocupados com a estética. Desde sempre, as artes plásticas mantêm uma camaradagem com a literatura. Participaram de movimentos juntas (o Renascimento, o Surrealismo e a Arte Conceitual, por exemplo), mas raras vezes artistas e escritores se conjugaram para formar um terceiro tipo de produto artístico. Os materiais, métodos e motivações são tão diferentes que muitas vezes a sinestesia perseguida pelas vanguardas e pelo pós-modernismo foi ignorada. É o que Rufino procura harmonizar.
Ele afirma que as ideais não são diferentes entre pintores e escritores, mas a forma de apresenta-las dá uma certa vantagem denotativa à linguagem verbal. “Na apresentação, as palavras podem ter mais vantagens, podem carregar potências mais eficientes do que aquelas que emanam de pigmentos, madeiras, ferragens, móveis velhos”, diz. “As metáforas, as simbologias, as analogias funcionam de forma diferente. Escrevendo, eu posso dizer: ‘mascava ferro como se fosse nervo de carne’. Isso está no meu espectro de interesse como artista e escritor, mas se você me entregasse uma barra de ferro e um pedaço de carne talvez eu não encontrasse um sentido metafórico, um mote conceitual para o desenvolvimento de uma obra no campo da arte.”
Nesse sentido, o homem pode ser o mesmo, mas as formas como ele constrói os signos em cada uma das artes a que se dedica entram em confronto, muitas vezes em contradição de efeitos e materiais. Em outros momentos, artista e contista se acomodam, como no inquietante microconto “Raiva”, que parece uma instalação para a performance de um que tenta controlar a fúria dos objetos: “A cadeira espumava feito cão raivoso e ele sentado nela. O respaldar rosnava,. As pernas tremiam, e ele sentado nela, domando-lhe o instinto com seu peso pouco.” Nestes momentos, é possível ler e se sentir dentro de uma obra de arte no espaço – ou seja, em um lugar nada seguro.
Leia três contos de Afagos, de José Rufino.
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