Letra Nova

A geografia nostálgica de Luís Martins

Um romance e um livro de memórias do autor carioca revelam o mundo e o submundo do bairro boêmio da Lapa


Luís Antônio Giron, do cmais Literatura

02/07/15 19:29 - Atualizado em 02/07/15 19:39

lapa
Lapa, no Rio de Janeiro (Imagem: Reprodução)

O escritor carioca Luis Martins é lembrado por ter sido casado com a pintora Tarsila do Amaral, 21 anos mais velha que ele. A musa modernista tinha idade para ser sua mãe, mas conservava a grande beleza e o fascínio. Encontraram-se em 1933, na casa e Eugênia e Álvaro Moreyra - e a paixão foi imediata. Logo se uniram e juntos viveram por 18 anos.  Em 1938, quando foi perseguido pelo governo de Getúlio Vargas, pois o romance Lapa sua foi considerada comunista, Martins se abrigou na fazenda de Tarsila, no interior do estado de São Paulo. Foi uma convivência feliz, mas o tempo e a diferença de idade os separou. De 1938 até a morte, em 1982, Martins trabalhou como jornalista em São Paulo.

A obra de Martins como jornalista e crítico de arte é importante, e mais importante ainda o seu trabalho como romancista. Nascido no Rio de Janeiro em 1907, no bairro de São Cristóvão e criado em Jacarepaguá, tornou-se conhecido como o grande cronista da Lapa. O bairro boêmio vivido e registrado por Martins pertence à década de trinta, uma área cosmopolita da capital da República que ficou marcada pela prostituição. Mas não só dela vivia o bairro. Durante o dia, a Lapa exibia outro perfil. O jornalista Ruy Castro, autor do prefácio da nova edição de Lapa, chama-a do “bairro Inocente”, pois possuía escolas, farmácias barbearias e pensões familiares, bem como, residências familiares, com moradores tradicionais como o poeta Manuel Bandeira.

Na década de 1920, circulavam pela Lapa jornalistas, cronistas e poetas. Era frequentada por artistas e intelectuais de destaque como Riberio Couto, Dante Milano, Augusto Frederico Schmidt, Sergio Buarque de Holanda, Joraci Camargo e  Di Cavalcanti, entre muitos outros. Na década de 1930, eram outros seus frequentadores, Eram de fato os companheiros de tertúlias de Martins, entre eles Raymundo Magalhães Júnior, Henrique Pongetti, Moacir Werneck de Castro, Odylo Costa, Carlos Lacerda e Rubem Braga. Havia várias turmas que por lá circulavam. Mal comparando, lembrava à Ipanema dos tempos da Bossa Nova, efervescente e múltipla. As pensões não familiares e os cafés do bairro acolhiam os grupos de artistas e escritores. Ali, podiam dançar, beber, comer petiscos e até amar. Era a Lapa La Pigalle brasileira (o bairro boêmio de Paris), nos tempos do Rio capital da república e da Lapa a capital do prazer.

Luís Martins (Foto: Reprodução)Em comemoração aos 450 anos de fundação do Rio de Janeiro (1º de março de 1565), a Prefeitura da cidade emprestou seu selo oficial para a republicação de obras que contam a sua história. Assim acabam de ser publicadas duas obras de Luis Martins sobre a Lapa: Lapa, de 1936, e Noturno da Lapa, livro vencedor do Prêmio Jabuti e 1964. A edição, em uma caixa luxuosa da Editora José Olympio, conta com os dois livros: Lapa, de 176 páginas, e Noturno da Lapa, de 288 páginas, ao preço de R$ 65,00.

Lapa narra a história da prostituição no Bairro com seus costumes e tragédias. O enredo é ingênuo, Paulo Braga, narrador é personagem principal, frequenta o bairro. Ele se apaixona por uma moça, Odette, que se tornou prostituta.  Mais do que a tragédia de Odette, o autor fornece detalhes, dados e números sobre os lucros das cafetinas e das casas de tolerância e de como as mulheres são por elas exploradas. Um exemplo: “A casa em que Odette fazia a vida no Mangue, era de uma francesa gorda, dona também de suas pensões na Lapa. Tinha oito mulheres lá, pagando uma diária de 15 mil réis, oito vezes 15 quer dizer 3 contos e seiscentos mil réis.” O que somava 600 mil reis para o proprietário e 3 contos de reis para a cafetina. Logo Odette morre e o romance acaba, mas não a Lapa e seu mundo, que renasce sempre que houver alguém que o leia.

O livro de memorias Noturno da Lapa foi feito de encomenda para as comemorações do IV centenário do Rio de Janeiro. O texto oferece uma série de dezoito capítulos, que narram episódios da Lapa, personagens, mitos, cabarés, seu esplendor e declínio. Enfim, parece a continuação do romance Lapa, só que com personagens reais.

Os dois livros são repletos de vida, coisa rara em memórias e romances de época vividos pelos escritores. Luís Martins apresenta uma geografia sentimental que se eterniza aos olhos do leitor.

Leia aqui um trecho de Lapa, de Luís Martins. 

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